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Com jeitinho, vai

Pesquisa mostra que mesmo as mudanças pouco palatáveis, como a da Previdência, podem ser apoiadas pela sociedade dependendo da forma como são explicadas 

Por Giuliano Guandalini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 mar 2018, 06h00 - Publicado em 9 mar 2018, 06h00

Pergunte a qualquer brasileiro se ele é a favor de reformas que reduzam direitos, e a resposta unânime será “não”. Pergunte se uma pessoa apoiaria um projeto que a obrigasse a trabalhar por mais anos antes de ter o direito de receber os benefícios previdenciários, e mais uma vez a resposta terá grande probabilidade de ser a mesma. Mas e se fosse um projeto que assegurasse uma aposentadoria mais confortável no futuro, que livrasse as pessoas do risco de ter de trabalhar até os últimos dias de sua vida? Nessa situação, existe uma possibilidade maior de que a resposta seja “sim”. Não há dúvida de que a reforma previdenciária, engavetada pela falta de votos favoráveis no Congresso, é necessária. Mas existem muitas nuances em torno do que os brasileiros pensam dela.

Essa é uma das principais conclusões que emergem de uma pesquisa inédita sobre como os brasileiros veem questões como impostos, aposentadoria e lei trabalhista. O trabalho foi feito pelo instituto Brasilis de opinião pública, sob a direção do cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro (2007). Foram ouvidas 1 205 pessoas de todo o país, na primeira semana de fevereiro. Segundo Almeida, o objetivo foi aferir a percepção da população a respeito de assuntos que serão debatidos na campanha eleitoral.

De acordo com a sondagem do Brasilis, um braço da empresa HSR de pesquisas de mercado, boa parte dos brasileiros cita os impostos como um dos maiores obstáculos à criação de empregos. Ao mesmo tempo, porém, as pessoas se dizem favoráveis a pagar mais tributos desde que seja para melhorar a saúde pública, a segurança e a educação. A opinião muda, entretanto, quando o aumento da carga tributária é canalizado para dar reajuste ao funcionalismo: 72% dos entrevistados foram contrários. Na avaliação de Almeida, esses números mostram que um político que saiba propor um ajuste nas contas públicas que reduza os benefícios dos servidores e aprimore os serviços públicos terá mais chance de contar com o apoio dos eleitores. E por que ninguém faz isso? Porque, como os vampiros fogem da cruz, os políticos evitam se indispor com o funcionalismo — um grupo extremamente organizado, corporativista e responsável pelo funcionamento da máquina pública.

Politicagem – Abaixo-assinado contra a reforma no plenário da Câmara: contra o Brasil (Pedro Ladeira/Folhapress)

Quando o assunto é aposentadoria, os brasileiros são pouco propensos a apoiar mudanças nas regras, mas a grande maioria não se mostra muito satisfeita com o sistema atual. Entre os entrevistados que estão na ativa, 41% consideram que terão uma piora na situação financeira depois de se aposentar, e apenas 27% acham que vão melhorar. Uma minoria de 15% acredita que de fato poderá parar de trabalhar quando se aposentar. Metade dos entrevistados crê que vai largar o batente mais tarde do que havia previsto, e uma parcela semelhante prevê que continuará trabalhando mesmo depois de aposentada. “As respostas revelam uma disposição do brasileiro para elevar o tempo de contribuição, desde que seja para melhorar a qualidade da aposentadoria e não correr o risco de trabalhar até a morte”, afirma Almeida. É algo que poderia ser explorado pelo governo para angariar apoio popular à reforma. Mas, segundo o cientista político, parece haver um descompasso na atuação dos políticos. No lugar de promover os possíveis benefícios das novas regras, eles carregam as tintas no discurso negativista, ainda que realista, de que o sistema previdenciário corre o risco de quebrar se nada for feito.

Um dos pontos da pesquisa evidencia como o brasileiro médio não se prepara para a velhice: 69% declaram que não economizam nada para essa fase da vida, além das contribuições obrigatórias para o sistema previdenciário. “A poupança brasileira é muito baixa”, diz o economista Sergio Firpo, professor do Insper. “Parte das pessoas é pobre e não consegue economizar. Mas, além disso, temos um sistema previdenciário generoso, particularmente para com os servidores públicos. Dessa maneira, não existe incentivo para as pessoas pouparem.” Esse desequilíbrio amplia a dependência dos brasileiros em relação ao guarda-chuva público, que, entretanto, gasta muito com as pessoas de renda relativamente mais alta, na contramão do que seria de esperar. Quando ocorre uma crise fiscal, como agora, fica exposta à luz do dia toda a precariedade dos serviços públicos, e os mais pobres são penalizados.

Há, entretanto, sinais de amadurecimento no debate público, na opinião da economista Ana Clara Abrão Costa, ex-secretária da Fazenda de Goiás e sócia da consultoria Oliver Wyman. “A população já começa a vincular a crise nas finanças do governo à piora dos serviços públicos. O Rio é um caso extremo”, afirma ela. Ainda assim, lembra Ana Clara, os pleitos dos servidores nas assembleias são sempre para defender vantagens para a categoria, e nunca para tratar do serviço prestado à população. “Os professores e seus sindicatos não discutem a qualidade do ensino de seus alunos, mas apenas benefícios dos professores”, exemplifica.

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No mundo democrático contemporâneo, os governantes não conseguem impor reformas de maneira autoritária, como chegou a acontecer no passado. As mudanças estruturais precisam resultar de acordos transparentes com a sociedade. Para isso, é essencial a clareza na comunicação feita pelo meio político. A pesquisa do instituto Brasilis sinaliza que existem caminhos para chegar lá.

(./VEJA)

Publicado em VEJA de 14 de março de 2018, edição nº 2573

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