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Cobra na rua

Coluna publicada em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

Por J.R. Guzzo Atualizado em 4 jun 2024, 17h40 - Publicado em 17 ago 2018, 07h00
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  • O tempo passa, o mundo gira, a tecnologia tornou o homem de hoje mais bem informado do que jamais foi desde que escrevia nas paredes da caverna, mas continua não existindo no universo força alguma capaz de fazer a humanidade saber com um mínimo de exatidão o que acontece no Brasil. Entenda-se, aí, os países bem-sucedidos — aqueles com renda per capita acima de 40 000 dólares por ano, acostumados a viver sob o império da lei e capazes de ganhar prêmios Nobel em assuntos sérios como física, química ou economia. Dos demais, é inútil falar. Nem sabem onde fica o Brasil e, quando por acaso ficam sabendo de alguma coisa, nunca se interessam em saber mais. Nossa real carência, desde sempre, é o vasto pouco-caso que o mundo civilizado demonstra em informar-se um pouco melhor sobre o Brasil. É desagradável. Naturalmente, isso não torna o Brasil pior do que é, nem melhor — e, além disso, a imensa maioria da população não se incomoda nem um pouco com a desinformação do mundo externo a nosso respeito. Se milhões de brasileiros não conhecem os fatos mais rudimentares sobre o próprio país, por que raios iriam lamentar a ignorância dos suecos ou dos esquimós a respeito do que acontece aqui? Mas, para o Brasil mais instruído, que foi à escola, viaja e conversa sobre política, esse desinteresse universal é uma coisa que incomoda. Justo hoje, no prodigioso mundo da comunicação absoluta em que vivemos? É humilhante.

    O mundo desenvolvido, hoje, não é ignorante das mesmas coisas que ignorava no passado, como resultado direto do que sua grande imprensa escrevia sobre o Brasil. Mas, por causa do que essas mesmas fontes lhe dizem atualmente, continua imaginando que existem por aqui os fenômenos mais extraordinários. Já não se fala mais, hoje em dia, que há cobras gigantes no meio da rua em Copacabana, que o brasileiro passa a vida dormindo nas calçadas com um sombreiro mexicano na cabeça, nem que a capital do Brasil é a cidade de Bolívia. O que mudou foram as áreas sobre as quais a mídia internacional joga os seus fachos de escuridão. Fiel ao espírito dos tempos, a ignorância de hoje tornou-se politicamente correta. Não há mais interesse em dizer que você pode ser comido por uma onça ao atravessar o Viaduto do Chá. O que excita o comunicador de Primeiro Mundo, agora, é a divulgação do disparate com conteúdo político e social; isso faz parte dos seus deveres de soldado da resistência mundial em favor dos mais pobres, da igualdade, da preservação da natureza etc. etc.

    A nova lenda na imprensa internacional: Lula é um preso político

    A cobra de Copacabana na versão de 2018 é a lenda, promovida à categoria de verdade científica pela melhor imprensa internacional, segundo a qual o ex-presidente Lula é um “preso político”. Anda de mãos dadas, nas mesmas páginas, com a fábula de que houve um “golpe de ­Estado” no Brasil, que derrubou a presidente popular Dilma Rousseff e age, no momento, para impedir que Lula concorra à eleição presidencial de outubro próximo. Praticamente não se diz, em nenhuma notícia, que Lula está preso porque foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em processo legal iniciado com a sua denúncia, em setembro de 2016, e concluído com a sua condenação definitiva, em janeiro de 2018. É quase impossível, da mesma forma, encontrar qualquer menção ao fato de que o ex-presidente usou durante esse período todos os meios de defesa possíveis na legislação universal; contestou todas as decisões do juízo, apresentou dezenas de recursos e não foi capaz de demonstrar, em nenhum momento, a mínima irregularidade legal no seu julgamento. Também não se diz, em lugar nenhum, que Dilma foi deposta pelo voto de quase três quartos do Congresso Nacional, após um processo de impeachment monitorado em todos os detalhes pelo Supremo Tribunal Federal — e durante o qual não se encontrou até agora uma única ilegalidade de fundo ou de forma.

    O que a imprensa mundial diz ao público é que Lula está preso porque lidera “todas as pesquisas”; se estivesse solto, seria candidato a presidente e ganharia a eleição, e “não querem” que isso aconteça, porque ele voltaria a ajudar os pobres. Quem “não querem”? E o que alguém ganharia ficando contra “os pobres”? Não há essas informações. Também não há nenhuma palavra sobre o fato de que a presidência de Lula foi o período de maior corrupção já registrado na história mundial — realidade comprovada por delações, confissões e devolução de bilhões em dinheiro roubado.

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    Mas e daí? Ninguém está ligando para o Brasil como ele é. O Brasil do Zé Carioca é muito mais interessante.

    Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

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