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Clinch com o fisiologismo

Com o discurso de que é preciso aprovar a reforma da Previdência, o governo se abre novamente ao que há de mais atrasado na política brasileira

Por Daniel Pereira, Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 19h10 - Publicado em 17 nov 2017, 06h00
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  • O presidente Michel Temer abriu a temporada de caça aos ministérios ao anunciar que poderá trocar dezessete dos 28 ministros nas próximas semanas. São raros os países em que uma mudança governamental de tal magnitude não represente uma profunda alteração de rota no governo, uma transformação radical de objetivos ou alguma coisa de grandes proporções. Em Brasília, no entanto, a troca significa apenas que há muitos, muitos interesses em jogo, mas nenhum deles é o interesse público. Temer não promoverá mudanças em sua equipe com o objetivo de melhorar a prestação de serviços à população e a eficiência do gasto público, mas apenas para reorganizar sua base no Congresso.

    Com a reforma, ganharão espaço os seis partidos que integram o chamado Centrão, grupo que sabe como poucos mercadejar seu apoio em troca de cargos e verbas públicas. O fisiologismo, mais uma vez, sairá fortalecido naquilo que tem apenas aparência de “embate político”. O discurso de agora recomenda fechar os olhos para as zonas de sombra a fim de que a reforma da Previdência tenha uma chance de aprovação. E haja zonas de sombra. Desde que a Câmara mandou para o arquivo a segunda denúncia contra Temer, os governistas cobram uma reforma ministerial. Como contrapartida à blindagem do mandato do presidente, exigem novos espaços na Esplanada, abertos com o expurgo do PSDB, legenda cada vez mais dividida quanto à parceria com o governo.

    Temer manteve a fatura em banho-­maria até a segunda-feira 13, quando o tucano Bruno Araújo pediu demissão do Ministério das Cidades. A decisão pavimentou o caminho para que as peças sejam reorganizadas no tabuleiro. O Centrão deve assumir o comando da pasta, justamente a sua principal reivindicação. Além disso, deve participar, junto com o PMDB, da escolha do novo ministro da articulação política, em substituição ao tucano Antonio Imbassahy, cuja saída é considerada uma questão de tempo. Recordista em políticos investigados na Operação Lava-Jato, o PP é o favorito para comandar a Pasta das Cidades, que chefiou de 2005 a 2015 e na qual colecionou escândalos de corrupção. Com orçamento de 15 bilhões de reais, o ministério toca o programa Minha Casa Minha Vida, obras de transporte público e projetos de saneamento básico. Ou seja: atua na ponta, no dia a dia da população, e, por isso, é considerado uma máquina bilionária de garimpar votos. Dote tão atraente desperta cobiça e cizânia.

    SP - F¿RMULA 1/GP DO BRASIL - POLÕTICA - O governador Geraldo Alckmin, JosÈ Serra e Alberto Goldman durante a ConvenÁ¿o Estadual do PSDB de S¿o Paulo, na Assembleia Legislativa, zona sul da capital paulista, neste domingo. 12/11/2017 - Foto: AMANDA PEROBELLI/ESTAD¿O CONTE¿DO
    Herança – Próceres do PSDB: dividido, o partido deixa o Ministério das Cidades e abre espaço para o PP do petrolão (Amanda Perobelli/Estadão Conteúdo)

    Em 2011, uma ala do PP ligada ao deputado Aguinaldo Ribeiro (PB) produziu um dossiê em que acusava o correligionário Mário Negromonte, então ministro das Cidades, de realizar falcatruas na pasta. A presidente Dilma Rousseff demitiu Negromonte, num tempo em que denúncias de corrupção eram capazes de derrubar um ministro. Em seu lugar, no entanto, não fez escolha alvissareira: nomeou o próprio Ribeiro. Naquela altura, irmão desconhecia irmão no rateio do butim. Hoje, Negromonte e Ribeiro estão na mesma barca jurídica e foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República como integrantes do quadrilhão do PP. Mesmo assim, Ribeiro, que é líder do governo Temer na Câmara, está cotado para reassumir as Cidades. Outro nome da legenda aventado para o posto é Gilberto Occhi, presidente da Caixa Econômica, acusado pelo doleiro Lúcio Funaro de recolher propina no banco estatal.

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    A escolha do novo ministro passará pelo presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), outro membro ativo do quadrilhão do PP. Ele é apontado como beneficiário de propinas pagas pela UTC e pela JBS em troca de ajuda às empresas exatamente nas Cidades e na Caixa. A vida financeira do senador também está envolta em sombras, como revela um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, ao qual VEJA teve acesso. O documento mostra que Nogueira e uma empresa dele movimentaram, entre 2010 e 2014, 51 milhões de reais em operações que estão sob investigação. Do total, 47 milhões de reais foram em dinheiro vivo. Só em uma conta pessoal, Nogueira movimentou, entre outubro de 2010 e dezembro de 2011, 2,48 milhões de reais. O valor é dez vezes o que ele declarava ter em espécie em 2010, e supera até o seu patrimônio total informado na ocasião: 1,9 milhão de reais. No comando do PP desde 2013, Nogueira é suspeito ainda de controlar um esquema milionário de caixa dois. De 2010 a 2014, no ápice do petrolão, seu patrimônio multiplicou-­se por dez, somando 20,8 milhões de reais.

    Numa operação de busca e apreensão na mansão do senador, a Polícia Federal encontrou planilhas com o registro de doações eleitorais nas quais apareciam nomes de empresas associados a valores. Exemplo: “CSN-500 OK”. A CSN, de fato, fez uma doação de 500 000 reais em 2014 para a campanha de Iracema Portella, deputada federal e esposa de Nogueira. O problema está em outras transações listadas. Há uma referência a “Fenaseg 500 ok”, mas não há registro na Justiça Eleitoral de doação realizada pela Federação Nacional de Seguros Privados (Fenaseg). A suspeita, óbvia, é de caixa dois. No material apreendido, há pelo menos outras quatro grandes empresas citadas cujas doações não constam do cadastro da Justiça Eleitoral, num indício daquilo que Delúbio Soares, o mais notório dos tesoureiros do PT, chamou de recursos não ­contabilizados. Temer não faz objeções aos nomes do PP para o Ministério das Cidades, nem ao presidente do partido, a quem recebeu no Planalto para tratar da reforma ministerial.

    Para aprovar a reforma da Previdência, são necessários 308 dos 513 votos da Câmara. Quando do arquivamento da segunda denúncia da PGR, Temer contou com o apoio declarado de 251 deputados. Em tese, a votação mínima exigida para aprovar as mudanças previdenciárias pode ser alcançada se, entre outras coisas, o PSDB trabalhar unido a favor do texto. Há promessas nesse sentido, mas a prioridade do partido hoje é acabar com o embate entre tucanos aliados e tucanos opositores a Temer. A disputa interna ganhou ares públicos. Na convenção estadual do PSDB de São Paulo houve até coro de “Fora, Aécio”, em referência ao senador mineiro, que, implicado na delação da JBS, tem segurado o PSDB na nau governista. A estratégia de abrir ainda mais a administração federal ao que existe de pior na política é arriscada. Nada garante que a quadrilha dos aumentativos — o PP do petrolão, o PR do mensalão e os demais expoentes do Centrão — vá votar a favor da reforma da Previdência depois de abocanharem mais ministérios. A única certeza mesmo é que o fisiologismo, pegando carona na agenda reformista de Temer, avançará mais uma casa.

    Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2017, edição nº 2557

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