Em janeiro de 1942, o escritor Mário de Andrade (1893-1945) respondeu a uma carta que recebera de Fernando Tavares Sabino (1923-2004), a quem de chofre sugeriu que assinasse apenas Fernando Sabino. “Antes de mais nada: eu achava que os estreantes deviam pôr nos seus livros a idade que têm. Que idade tem você? Isso importa extraordinariamente nesse caso como o seu, por causa justamente das possibilidades fartas. Se você está rodeando os vinte anos, de vinte a vinte e cinco como imagino, lhe garanto que o seu caso é bem interessante, que você promete muito. E o livro, neste caso, é bom. Mas se você já tem trinta ou trinta e cinco anos, já estudou muito (você parece de fato se preocupar com a expressão linguística) e está homem-feito, não lhe posso dar aplauso que valha.” Sabino tinha 18 anos e era mais conhecido em Belo Horizonte pelas vitórias nos campeonatos de natação do que por sua disposição de mergulhar fundo na literatura. O resto é história, um encontro marcado com a boa ficção e a crônica de excelência. Que idade boa de ter, 20 anos — embora Paul Nizan, em Áden, Arábia (1931), um clássico das letras francesas do século XX, tenha alertado, um tanto derrotista: “Não me venham dizer que é a mais bela idade da vida. Tudo ameaça um jovem de destruição: o amor, as ideias, o afastamento da família, o ingresso no meio dos adultos. Custa-lhe aprender o seu lugar no mundo”.
Ter 20 anos é poder sonhar, poder errar e intuir que haverá muito tempo ainda para correções e aprendizado — é saber que o mundo, de um jeito ou de outro, conseguirá, sim, um lugarzinho para a juventude e sua inesgotável força transformadora. Nesta edição, VEJA reuniu as histórias de vinte brasileiros para acompanhar a partir de 2020. Eles são o retrato de um novo tempo. Vocalizam o começo, em algumas situações; o recomeço, em outras; mas sobretudo a permanente vontade de criar algo diferente, inovador, mais democrático, mais inclusivo — isso tudo de que o Brasil tanto necessita.
Na seleção dos personagens que aparecem na reportagem que começa na página 58, houve um corte rigoroso: precisariam ter nascido entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2000, nem um dia a mais, nem um dia a menos. Em 2020, portanto, completam 20 anos cravados. Alguns buscam construir a vida no exterior. Formam um contingente afeito a retratar, do modo mais amplo possível, os humores dessa turma que não para de querer mudar a sociedade. Tão ávida, tão entusiasmada, sempre do contra, invariavelmente afoita, a ponto de atormentar o irascível, conservador e genial dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues (1912-1980). Numa de suas últimas entrevistas, meses antes de morrer, o autor de Vestido de Noiva (1943) chegou a fazer uma recomendação, instado a dizer algo a respeito dos estudantes que saíam às ruas nos primeiros anos depois da abertura democrática: “Jovens, envelheçam rapidamente”. É uma frase, dentro de seu atávico mau humor, que revela o permanente incômodo e o eterno fascínio provocados pelos jovens. Um tema, aliás, que sempre mereceu atenção especial de VEJA, em seus mais de cinquenta anos de história, por um motivo simples: eles representam o melhor e o mais adequado atalho para o futuro, apesar dos incontornáveis acidentes de percurso.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668