Embora muitos críticos não reconheçam, especialmente aqueles mais à esquerda, o governo Jair Bolsonaro apresenta algumas conquistas significativas nestes primeiros sete meses. A aprovação em primeiro turno de uma reforma da Previdência na casa do trilhão de reais, a MP da Liberdade Econômica, uma possibilidade de acordo com a União Europeia e um início de entendimento comercial com os Estados Unidos são, sem dúvida, destaques de uma administração com uma grande ambição: revolucionar a economia brasileira. Goste-se ou não do seu estilo, da sua falta de profundidade em assuntos importantes, o atual presidente concedeu o nihil obstat para que essas transformações saíssem do papel. Vale destacar que essas mudanças, ao lado de uma agenda liberal já em andamento, são fundamentais para colocar o país numa rota de crescimento sustentado.
É lamentável, no entanto, que o presidente não consiga enxergar o potencial destrutivo de suas desastradas declarações para a pavimentação desse caminho. Tais comentários não apenas servem como combustível para seus opositores, mas ajudam a minar apoio também entre aqueles que simpatizam com as ideias do governo. Alguém, por exemplo, acha que todos os deputados nordestinos de direita estão felizes em saber a opinião de Bolsonaro sobre quem nasce na região? Será que a falta de humanidade em abordar a morte do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, não incomodou nenhum de seus eleitores de formação cristã? São perguntas sobre as quais o presidente não reflete antes de disparar sua metralhadora.
Para piorar, a perda do capital político de Bolsonaro e suas consequências econômicas não são o único risco da incontinência verbal do líder máximo da nação. Muitas de suas falas resvalam num comportamento autoritário, sem filtros, que parece desprezar as instituições e os valores democráticos. A cada comentário estapafúrdio, Bolsonaro dá a impressão de testar os limites daquilo que pode ou não pode ser feito na Presidência. Trata-se de uma postura perigosa. A democracia brasileira é relativamente recente e nossas instituições não são tão sólidas quanto as americanas, eventualmente assediadas pela grande inspiração de Bolsonaro, Donald Trump.
Em defesa desse comportamento de Bolsonaro, alguns de seus auxiliares dizem que ele ainda reage como deputado, apoiando interesses do eleitorado que ajudou sua ascensão ao poder. Pois está na hora de o ex-capitão entender que ele agora é o presidente de todos os brasileiros. Que precisa respeitar negros, índios, nordestinos, mulheres, jornalistas, políticos de todas as correntes, o STF, as regras e a Constituição. A quebra permanente do decoro presidencial, assunto de outras quatro capas de VEJA desde sua posse, tumultua o ambiente político, a economia, e pode ser uma ameaça desnecessária à democracia. Insistir nesse tipo de confronto, sendo o porta-voz de um nicho da população, priva o país da figura do líder, o estadista com a missão de conduzir o crescimento da nossa economia, e afasta a discussão daquilo que realmente importa: os benefícios que este governo pode trazer à população brasileira.
Durante quatro semanas, a repórter Jennifer Ann Thomas e o fotógrafo Jonne Roriz acompanharam a jornada de refugiados venezuelanos desde o seu país, passando pelos abrigos em Roraima e por voos da FAB, até o recomeço de vida em cidades brasileiras. Entre outros diferenciais, este é o tipo de reportagem que caracteriza a excelência do jornalismo de VEJA — sério, investigativo, analítico e comprometido com a veracidade dos fatos. Leia o relato da dupla nesta edição.
Publicado em VEJA de 7 de agosto de 2019, edição nº 2646