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Carta ao Leitor: Inveja da minha cor

Aos poucos, a fumaça criada em torno do mito da democracia racial brasileira começa a se dissipar para que o país finalmente encare essa dura realidade

Por Da Redação 14 ago 2020, 06h00

“Se você é negro, melhor nem aparecer na rua”, canta Bob Dylan em Hurricane, de 1975, canção inspirada no boxeador Rubin Carter, preso em 1966 sob a acusação de ter participado de um triplo homicídio ocorrido em Nova Jersey, nos Estados Unidos. O pugilista, um dos mais talentosos de sua geração, só seria libertado em 1985, quando a Corte Federal julgou que o racismo havia sido determinante para a sua injusta condenação. Por isso, o caso virou um dos marcos na luta americana contra essa vergonhosa chaga, ainda longe de ser extirpada, como demonstrou a tragédia de George Floyd, o americano negro asfixiado pelo joelho de um policial branco no fim de maio.

O triste e chocante episódio fez a hashtag #BlackLivesMatter materializar-se na forma de protestos nas ruas do país e em outras partes do mundo. O movimento ganhou apoio de celebridades das mais diferentes áreas, a questão continua inspirando obras de arte (exemplo recente é Lovecraft Country, nova série da HBO, tema da resenha da pág. 88) e o debate terá um impacto enorme nas próximas eleições americanas. Prova disso é a escolha da senadora negra Kamala Harris como candidata a vice na chapa do democrata Joe Biden (leia reportagem na pág. 54).

No Brasil, o volume da reação nas ruas a atos de preconceito cresceu, mas não se aproxima das manifestações ocorridas no exterior. Em meio a essa inaceitável tolerância, continuam a acontecer casos como o do homem branco em São Paulo que vira para o motoboy negro e diz: “Você tem inveja (da minha cor)”. O sinal positivo é que o debate em torno do problema passa a ganhar um corpo inédito por aqui. Aos poucos, a fumaça de décadas criada em torno do mito da democracia racial brasileira começa a se dissipar para que o país finalmente encare essa dura realidade. Segundo um levantamento exclusivo de VEJA, realizado pelo Instituto Paraná Pesquisas, 61% dos brasileiros consideram que somos, sim, um país racista. Trata-se de um avanço e tanto para uma sociedade acostumada a minimizar e rejeitar tal comportamento. A reportagem que se inicia na página 34 desta edição esclarece os motivos que provocaram o despertar salutar da consciência coletiva para um problema histórico.

Evidentemente, o resultado da pesquisa é apenas um começo promissor (afinal, não se elimina uma doença sem o diagnóstico). Em paralelo, será necessário também aprofundar essa discussão para cortarmos de vez um mal que está diretamente ligado ao surgimento e à perpetuação de várias de nossas desigualdades. Aliás, os exemplos da relação direta entre as duas realidades — o preconceito e a falta de oportunidades — são inegáveis. Menos de 5% dos cargos executivos das 500 maiores empresas do Brasil são preenchidos por negros, enquanto eles representam 75% dos mortos pela polícia e 62% da população carcerária. Como se vê, infelizmente, o verso da velha canção de Dylan sobre Rubin Carter permanece atual e não se aplica somente aos Estados Unidos.

Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700

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