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Caiu outra máscara

Na esteira do escândalo Weinstein, Kevin Spacey foi acusado de abusar de um ator de 14 anos e, em manobra oportunista, tentou virar o jogo saindo do armário

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 20h23 - Publicado em 3 nov 2017, 06h00
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  • Enquanto o mundo expressava admiração pelas atuações de Kevin Spacey, o americano Anthony Rapp sentia outra coisa: nojo. No cinema, Spacey, de 58 anos, ganhou dois Oscar. Notabilizou-se na TV como Frank Underwood, o fictício e caviloso presidente dos Estados Unidos da série House of Cards, sucesso lá se vão cinco temporadas na Netflix. Mas para Rapp, ator da série Star Trek: Discovery, nada nessa fachada de glórias apagaria a imagem monstruosa que ele tinha do astro. No domingo 29, seus fantasmas da adolescência foram exorcizados.

    Em entrevista ao site americano BuzzFeed, Rapp revelou que, em 1986, quando tinha 14 anos e iniciava sua carreira como ator, sofreu abuso sexual de Spacey — então com 26 anos e frequentador do mesmo meio teatral nova-iorquino. Spacey chamou o menor de idade para uma festa em sua casa, esperou que os outros convidados fossem embora e deu o bote: carregou o jovem nos braços “como um noivo carrega a noiva” e tentou seduzi-lo à força. O aturdido Rapp trancou-se no banheiro, dando um jeito de escapar. O trauma ficou.

    Hoje gay assumido, Rapp já tinha contado seu drama, sem citar o nome do abusador. Só tomou coragem de apontar o dedo para Spacey depois que uma caixa de Pandora se abriu: na esteira das 82 mulheres que relataram os abusos do produtor Harvey Weinstein, quase de hora em hora surgem novas acusações contra poderosos do showbiz americano. O caso de Spacey ilumina uma modalidade à parte de comportamento condenável: o abuso perpetrado por homens mais velhos contra jovens do sexo masculino.

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    Fantasma exorcizado – Anthony Rapp: ele levou mais de trinta anos para revelar seu abusador (Dia Dipasupil/AFP)

    A hipocrisia que sempre manteve honoráveis astros trancafiados no armário em Hollywood forneceu a corda com que o próprio Spacey terminou por se enforcar. Ao se justificar nas redes sociais, ele disse que não se lembrava do episódio, pedindo desculpas e creditando um eventual avanço ao “comportamento profundamente inapropriado de um bêbado”. E aí partiu para a tática covarde de desviar-se da ofensa séria — o abuso contra um menor — e tentar convertê-la em mero pretexto para o anúncio triunfal de que finalmente reunia forças para assumir-se gay.

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    Pegou muito mal: até a Glaad, influente associação de luta pelos direitos dos homossexuais americanos, que solta fogos toda vez que um famoso sai do armário, condenou a manobra tacanha. A  homossexualidade de Spacey sempre foi um segredo de polichinelo. Mas a denúncia de abuso confirmou outro rumor: o de que ele se comportava como um predador nos sets. Ao menos mais dois artistas, o ator mexicano Roberto Cavazos e o cineasta americano Tony Montana, engrossaram o cordão de vítimas confessas — embora já fossem maiores de idade quando os casos ocorreram.

    Spacey desceu ao inferno: o prêmio honorário que ganharia no Emmy Internacional foi cancelado e a Netflix suspendeu a produção da sexta temporada de House of Cards. Caiu a máscara de Frank Underwood.

    Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2017, edição nº 2555

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