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Balé de desencontros

'Desobediência' retrata triângulo amoroso na comunidade judaica ortodoxa de Londres para falar do dilema entre regras de conduta e aspirações pessoais 

Por Isabela Boscov Atualizado em 22 jun 2018, 06h00 - Publicado em 22 jun 2018, 06h00

Desorientada com a notícia da morte de seu pai, um rabino venerado, a fotógrafa Ronit (Rachel Weisz) deixa Nova York rumo a Londres para o funeral, sem calcular a frieza e desaprovação com que será recebida. Na comunidade ortodoxa da zona norte londrina, todos pisam em ovos em torno de Ronit: com seus longos cabelos soltos, sua jaqueta de couro e seus cigarros, ela é um lembrete malquisto de que até os círculos mais fechados podem produzir renegados. O constrangimento é particularmente agudo no reencontro com Dovid (Alessandro Nivola) e Esti (Rachel McAdams). Amigos antes inseparáveis que algum acontecimento separou por completo, os três dançam um balé vacilante ao redor uns dos outros: Ronit fica boquiaberta ao constatar que Dovid, discípulo do velho rabino, casou-se com Esti. E, na surpresa dela e no estoicismo com que o casal enfrenta essa surpresa, pressentem-se graves objeções de parte a parte — que se alargam quando os integrantes da comunidade veem que Dovid e Esti ofereceram hospedagem a Ronit.

Recém-premiado com o Oscar de produção estrangeira pelo surpreendente Uma Mulher Fantástica, sobre uma jovem transgênero impedida de cumprir o luto pelo namorado morto, o diretor chileno Sebastián Lelio renova, em Desobediência (Disobedience, Inglaterra/Irlanda/Estados Unidos, 2018), já em cartaz no país, as razões para o prestígio que o acompanha no circuito internacional. Haveria um sem-número de caminhos já mapeados pelos quais conduzir a história adaptada do romance da inglesa Naomi Alderman — por exemplo, o esperado (e cômodo) indiciamento da ortodoxia religiosa como obstáculo à realização pessoal. Nenhum dos rumos previsíveis, entretanto, interessa a Lelio. Se anota a repressão férrea que um grupo fundamentalista pode exercer sobre seus membros — e que no passado arruinou a paixão de Ronit e Esti —, por outro lado o diretor mostra também o arcabouço de amparo que esse grupo propicia, e a ocasional alegria com que Dovid e Esti vivem sua fé. E, se frisa o temor de Dovid de que as duas mulheres possam reiniciar seu relacionamento, Lelio faz questão de indicar que a censura moral não é o único motivo dele: Dovid ama Esti como mulher, ainda ama Ronit como amiga, e tem o desejo ardente de seduzir uma como esposa e preservar a amizade da outra.

Essa talvez seja a maior contribuição do diretor — que não tinha nenhuma familiaridade com o meio retratado aqui até Rachel Weisz convidá-lo para o projeto — ao enredo trazido do livro: o contraponto tocante que ele cria ao se apoiar na presença intensamente masculina de Nivola e na sensibilidade com que este desenvolve o personagem antes secundário de Dovid. O dilema de Ronit e Esti, que mais se agrava do que se resolve no afogueado encontro sexual das duas, não é o único que importa: também os sentimentos de Dovid e o seu dilema — abrir mão de Esti ou não — pesam para os protagonistas e para o espectador. Ancorando todas as cenas, sem exceção, no rosto de pelo menos um dos seus três excelentes atores, e acercando-se deles com uma curiosidade vívida moderada pelo respeito, Lelio faz uma radiografia de quaisquer três pessoas divididas entre suas aspirações e seu código de conduta — seja ele qual for.

Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588

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