Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Aula para gostar de ler

O mundo digital, apontado como o vilão que afasta as crianças dos livros com seus games e vídeos, começa a contribuir para incentivar a boa leitura

Por Maria Clara Vieira e Bruna Motta
Atualizado em 4 jun 2024, 17h46 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00
arte-leitura-brasil
(Arte/VEJA)

Ler é um prazer. Ao contrário de tantos outros prazeres, não custa muito caro e está ao alcance de todos. A leitura estimula a mente, ativa a criatividade e amplia o conhecimento. Crianças que aprendem a gostar de livros desde cedo serão adultos mais capazes de se concentrar, de relacionar conteúdo e ideias e de lidar com suas emoções. Por mais que se listem benefícios, porém — e a lista é enorme —, o Brasil continua a ser um país pouquíssimo afeito à leitura (veja o quadro ao lado), ainda mais num tempo em que livros competem com videogames, séries, desenhos e barulhos de todo tipo nas telas brilhantes de smartphones e tablets. Em um esforço para mudar a prosa, um conjunto de iniciativas nascidas justamente no mundo digital vem aliando tecnologia a boas histórias com o propósito de atrair principalmente o público infantil.

A nova safra de recursos não tem nada a ver com o truque muito usado de apresentar aos pequenos um enredo, às vezes sem pé nem cabeça, que apenas serve de trampolim para joguinhos e entretenimento. A matéria­-prima das atuais ferramentas é a boa literatura. Os efeitos especiais, as brincadeiras e as competições existem, sim, mas são acessórios, e não a atividade principal. “Brincadeiras têm o efeito de tornar a leitura um ato de prazer, o que ajuda a sedimentar o hábito e contribui para a formação de futuros leitores”, diz o neurocientista Ariovaldo da Silva Júnior, especializado em aprendizagem. O mesmo sentimento prazeroso acompanha o momento em que os pais se sentam para ler com os filhos, outra associação valiosa e duradoura na mente infantil.

Uma das iniciativas mais simples e bem-sucedidas nesse ramo é a Árvore de Livros, uma espécie de Netflix da literatura. Criação do administrador de empresas carioca João Leal, de 34 anos, a plataforma funciona tal qual o serviço de streaming por assinatura: cada escola paga uma mensalidade e pode explorar um acervo de mais de 10 000 livros, entre obras teóricas, romances, quadrinhos, clássicos, jornais e revistas. Até o sistema de inteligência que mapeia o tempo de consumo e as preferências dos alunos é semelhante ao da Netflix, com a diferença de que os resultados são reportados aos professores e a mais ninguém.

A plataforma, exclusiva para instituições de ensino, firmou acordo com as editoras para a divulgação dos títulos e já atendeu cerca de 100 000 alunos de 221 escolas públicas e privadas; nelas, a média de leitura é quatro vezes maior do que a brasileira. O estudante que acessar os livros da Árvore pode nela mesma comentar as obras e trocar indicações com os colegas. “Criamos também campeonatos de leitura entre as escolas participantes”, conta Leal. A disputa é medida pelo número de livros lidos — e não dá para burlar o controle: ele se baseia em uma tabela que calcula o tempo médio despendido em cada página. Morador de Natal, no Rio Grande do Norte, Caio Lima, de 14 anos, fã incondicional das histórias de detetive de Agatha Christie, sagrou-se campeão nacional de leitura da Árvore em 2016, ano em que leu mais de 100 livros inteiros. “Para ele, foi a descoberta de um mundo novo”, afirma a mãe, Katiusca Lima.

Continua após a publicidade
Clicar é bom – Cauã lendo Nautilus: “Monstros se mexem e fazem barulho”
Clicar é bom – Cauã lendo Nautilus: “Monstros se mexem e fazem barulho” (Jefferson Coppola/VEJA)

A tecnologia pode ser, de fato, uma excelente alavanca do interesse da garotada pela leitura, aponta o neurocientista Silva Júnior. “Quando se desperta a curiosidade da criança sobre um assunto, ela faz a informação passar da memória de trabalho — a que usamos momentaneamente, para nos lembrarmos de uma informação rápida — para a memória de longo prazo. Assim ela vai percebendo quanto a leitura lhe faz bem”, diz. Outra vantagem de começar cedo, destaca, é poder explorar a plasticidade do cérebro em plena formação. Isso permite conexões mais numerosas e variadas entre os neurônios, o que, em outras palavras, amplia a capacidade de raciocínio da criança.

O espírito de competição infantil, tão explorado nos games, também é usado na plataforma de leitura Elefante Letrado, desenvolvida pela gaúcha Scheila Vontobel, de 33 anos. Mãe de três filhos, Scheila inspirou-se em uma ferramenta em inglês que ativou o hábito de leitura em suas crianças na escola americana em que estudavam, em Porto Alegre. “Elas liam um texto durante quinze minutos e em seguida respondiam a perguntas sobre ele. Os acertos rendiam prêmios e pontos em sala de aula. Procurei fazer algo semelhante em português”, relata. Adotada por 113 escolas no país, com a ambiciosa meta de atender meio milhão de estudantes nos próximos três anos, a Elefante Letrado oferece livros consagrados com recursos interativos, além do questionário pós­-leitura. Usada há três anos no 1º ano do ensino fundamental — o da alfabetização — do Colégio Maria Imaculada, de São Paulo, a plataforma tem feito sucesso entre os pequenos alunos. “Eles ficam animados diante de uma biblioteca virtual com tantas opções”, diz a coordenadora pedagógica Marcia Reda.

Continua após a publicidade
Exemplo – Escola na Finlândia: no país campeão da leitura de qualidade, a média é de quase três bibliotecas por município
Exemplo – Escola na Finlândia: no país campeão da leitura de qualidade, a média é de quase três bibliotecas por município (Gilberto Tadday/VEJA)

São várias as explicações para a baixa taxa de leitores no Brasil em todas as classes sociais. O livro não faz parte da vida das pessoas. “Ler significa ter o livro acessível, próximo do leitor. Fora dos grandes centros, não há livrarias nem bibliotecas atualizadas”, diz Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira de Livros. A falta do hábito de leitura — agravada, no caso dos mais pobres, pela alfabetização capenga — cria um ciclo difícil de romper. “Muitos não entendem o que leem e se sentem desmotivados porque sabem que será um processo desgastante”, diz João Batista Oliveira, do Instituto Alfa e Beto. Os próprios professores penam para encontrar tempo e disposição para a leitura e acabam não dando aos estudantes o empurrão necessário.

Os recursos digitais estão pouco a pouco suprindo o vazio da combalida infraestrutura. Um exemplo são aplicativos como os da startup paulista StoryMax — cada um, um clássico da literatura revisitado —, que já renderam dois prêmios Jabuti, uma das mais prestigiadas honrarias literárias do país, a seus criadores, a editora Samira Almeida, 36 anos, e o programador Fernando Tangi, 38. Lançado em 2013, Frankie for Kids é uma adaptação do clássico Frankenstein, de Mary Shelley, para crianças — com menos terror e muita tecnologia. Nautilus, de 2017, é a simpática versão ilustrada e cheia de animações de Vinte Mil Léguas Submarinas, do francês Júlio Verne. “Não queremos que os recursos de interação desviem a criança da história. Os redatores do texto adaptado trabalham em conjunto com o pessoal da tecnologia”, ressalta Samira.

Continua após a publicidade

O paulista Cauã, de 9 anos, mergulhou com entusiasmo na versão digital da consagrada viagem submarina de Verne. “Clicando nos monstros, eles se mexem e produzem sons. Gosto de livros em que eu possa fazer alguma coisa. Ler assim é mais legal do que no papel”, comenta. Outra ferramenta de leitura, a Guten News, criada há quatro anos em São Paulo pela administradora de empresas Danielle Brants, 37 anos, reproduz uma revista semanal com reportagens e notícias em linguagem adaptada ao universo infantil. “O conteúdo trata da realidade das crianças, como o problema da febre amarela. Elas se atualizam e vão atrás de mais informação”, diz Danielle.

Assim, de tablet em tablet, o mundo da literatura vai se abrindo a crianças em um país onde o ambiente é desfavorável à leitura — exatamente o oposto do que ocorre nos países nórdicos, os primeiros do ranking global de leitores, o mesmo em que o Brasil patina na 43ª posição. A título de comparação: a campeã Finlândia tem quase 800 bibliotecas para 311 municípios, e todos eles dispõem de ao menos uma; no Brasil, os 5 570 municípios contam com 7 166 bibliotecas, a maioria concentrada no Sul e no Sudeste, ficando um naco do território à míngua. Nesse cenário inóspito, qualquer iniciativa para estimular os pequenos brasileiros a gostar de ler é muito bem-vinda.

Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.