Em 2004, a Comissão Europeia, o órgão executivo da União Europeia, impôs à Microsoft uma multa de 500 milhões de euros, o equivalente à época a 1,8 bilhão de reais. Foi um valor inédito. A então todo-poderosa da indústria de tecnologia foi acusada de usar práticas desleais ao forçar fabricantes a pré-instalar seus programas nos computadores. Dessa maneira, a Microsoft consolidava seu domínio no mercado de sistemas operacionais. De cada dez computadores, nove usavam o Windows. Sobrava pouco espaço para outras empresas. Além de pagar a multa, a Microsoft foi obrigada a mostrar os ícones das marcas de seus concorrentes no seu navegador para a internet, o Explorer. A decisão incentivou a competição, mas, de certa maneira, chegou tarde. A Microsoft já estava ficando para trás nos setores mais promissores. O Explorer caiu em desuso e quem domina a internet agora é o Google, que representa hoje o que a Microsoft foi no passado — inclusive nas práticas comerciais.
Na quarta-feira 18, os europeus tascaram uma multa recorde de 4,34 bilhões de euros (quase 20 bilhões de reais) no gigante americano. Motivo: a companhia abusou de seu poder de mercado ao forçar os fabricantes a pré-instalar o Android, o sistema operacional do Google, nos celulares. Portanto, o Google faz na internet móvel algo similar ao que a Microsoft fizera com os computadores pessoais. O Android pode ser instalado por qualquer fabricante de celular, sem custo. Mas, para que o aparelho venha com a lucrativa Play Store, a loja de aplicativos do Google, é necessário que o mecanismo de busca da empresa e seu sistema operacional estejam instalados. Mais da metade do tráfego da internet ocorre nos celulares, e o Android está em oito de cada dez smartphones. O Google argumentou que as pessoas são livres para usar outros sistemas. Para Margrethe Vestager, a xerife de competição da União Europeia, “as evidências comprovam que a vasta maioria das pessoas utiliza aquilo que já vem instalado”. Outros gigantes americanos, como a Apple e a Amazon, já foram alvo de investigações de Vestager.
“A multa foi severa. Os EUA analisaram queixas semelhantes, mas os casos foram arquivados”, diz Paulo Furquim, professor de regulação do Insper e ex-conselheiro do Cade. “Os americanos possuem uma visão mais liberal, desde que não haja prejuízo comprovado para os consumidores.” Obrigado a rever seus atuais contratos com os fabricantes, o Google evidentemente vai recorrer da decisão. No ano passado, a empresa já havia recebido outra multa pesada, de 2,4 bilhões de euros, cerca de 9 bilhões de reais, por favorecer a sua ferramenta de comparação de preços em detrimento de sites concorrentes. É duro, mas não é o fim. No mundo dos negócios, a pena terrível seria outra: ser um dia superado por um novo competidor, tal como o próprio Google superou a Microsoft e, dez anos depois, veio a cometer pecado tão semelhante ao do antecessor.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2018, edição nº 2592