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A última batalha

Temer e sua tropa de choque jogam duro e pressionam os aliados para aprovar a reforma da Previdência, um projeto essencial para o futuro do país

Por Giuliano Guandalini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 dez 2017, 06h00 - Publicado em 8 dez 2017, 06h00
(Arte/VEJA)

Pobres dinamarqueses. Vivem em uma das nações mais prósperas do mundo, mas precisam trabalhar por anos e anos a fio. Em Copenhague, um jovem que tenha acabado de conquistar seu primeiro emprego deverá se aposentar apenas aos 74 anos de idade. Italianos e holandeses recém-formados também terão de trabalhar até depois dos 70 anos. São sinais dos tempos, consequência do dramático envelhecimento populacional. Os países em todo o mundo buscam maneiras de se adaptar a essa nova realidade. Nos mais avançados, é comum que a idade mínima de aposentadoria suba gradativamente conforme haja avanços na longevidade da população. Essa foi a maneira encontrada para conter um crescimento explosivo nas despesas previdenciárias.

O Brasil poderá começar a enfrentar esse desafio a partir das próximas semanas, caso prospere o esforço de última hora do governo para iniciar a votação da reforma previdenciária. Não será uma batalha fácil. A aprovação do projeto exige o apoio de ao menos 308 deputados (três quintos do total), em dois turnos de votação. Enfraquecido politicamente desde as delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, Michel Temer já não dispõe de uma base coesa como no início de seu mandato — e passou os últimos meses tentando aglutiná-la para salvar seu pescoço, e não a reforma previdenciária. Além do mais, mexer nas regras da aposentadoria afeta diretamente a vida de milhões de eleitores — e bancar essa reforma, na visão de muitos congressistas, é uma conta pesada demais a ser paga a poucos meses das eleições de 2018.

Ainda assim, Temer e seus aliados estão dispostos a levar o projeto à votação, e as próximas duas semanas representam a última janela de oportunidade para votar o texto na Câmara ainda neste ano. Caso seja aprovado, o projeto tramitará no Senado a partir de fevereiro, depois do fim do recesso parlamentar. O governo se empenha na votação porque acredita que a reforma, ao sinalizar a estabilidade nas finanças públicas, elevará a confiança dos investidores, permitirá a diminuição nas taxas de juros e, por conseguinte, contribuirá para o crescimento econômico — e tudo isso ajuda a elevar as chances de vitória eleitoral de um candidato governista. Entre o desgaste político e a injeção de ânimo no PIB, a turma mais fiel a Temer optou pela segunda alternativa. O fracasso, em contrapartida, trará consequências adversas. As agências internacionais de classificação de crédito têm alertado sobre a intenção de rebaixar a nota brasileira, em caso de naufrágio do projeto — e isso poderá se traduzir em queda nos investimentos.

Mas os interesses que movem os congressistas, mesmo entre aqueles da base aliada, são díspares. O que deveria ser um debate pragmático a respeito da sustentabilidade do sistema previdenciário, como acontece nos países de democracia madura, foi contaminado pelo cálculo político. “Muitos temem perder votos no próximo ano ou até nas eleições para prefeito, em 2020”, diz o cientista político Thiago Vidal, da consultoria Prospectiva.

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O governo pretende levar o texto ao plenário com uma margem razoável de apoio. Para isso, poderão ser feitos ajustes finais no projeto, no intuito de ampliar o contingente de votos favoráveis, além dos acertos na forma de promessa de verbas e cargos, como de praxe. Infiéis deverão ser punidos. Vale tudo para não repetir o fracasso constrangedor, por um único voto, sofrido pelo governo Fernando Henrique, em maio de 1998. O projeto estabelecia uma idade mínima para requerer a aposentadoria, de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres. Quando saiu o resultado dos votos, houve 307 favoráveis — um a menos do que o exigido para passar uma proposta de emenda à Constituição. Detalhe inesquecível: o então deputado Antonio Kandir, do PSDB de São Paulo e do bloco governista, apertou o botão errado e votou “abstenção”, em vez de “sim”. O Brasil permaneceu assim como um dos poucos países do mundo que não exigem idade mínima; basta comprovar o tempo de contribuição, o que dá margem a aposentadorias extremamente precoces. A idade média de aposentadoria no Brasil é de 58 anos, enquanto a maior parte dos países estabelece um mínimo de 60 anos. Um dos pontos essenciais do projeto é justamente a fixação da idade mínima, de 62 anos para mulheres e 65 para os homens.

Nos últimos vinte anos, foram feitos alguns ajustes paliativos para conter o aumento no déficit das contas previdenciárias. Mas todos modestos diante do rombo crescente. No ano passado, o saldo ficou negativo em 305 bilhões de reais. Cada centavo gasto a mais para tapar esse buraco precisa sair dos impostos pagos pelos brasileiros ou do aumento da dívida pública. Não existe mágica. Se a reforma for adiada e deixada para o próximo governo, o ajuste terá de ser ainda mais severo, por causa do aumento contínuo da população idosa. Hoje existe uma pessoa acima de 65 anos para cada doze brasileiros em idade ativa; daqui a quarenta anos, haverá um idoso para quatro pessoas em idade ativa. É a lógica implacável da demografia. Adiar o ajuste significará legar um ônus enorme às gerações futuras.

Sempre contra – Ato de sindicalistas em São Paulo: não às reformas (Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)

Daí a urgência da reforma. Para ser justo, o acerto de contas terá também de rever privilégios. Proporcionalmente ao número de beneficiados, o buraco é maior no sistema que paga as aposentadorias dos servidores federais. Com a reforma, o funcionalismo passaria a ter regras similares às dos trabalhadores da iniciativa privada. Os funcionários públicos mais antigos, contratados antes de 2003, deverão manter a prerrogativa de se aposentar com o benefício integral e um teto que pode chegar a seis vezes o pago aos beneficiados do setor privado. Por essa e outras incongruências, o Brasil deverá ser um dos líderes em aumento nos gastos com previdência nos próximos anos, segundo análise divulgada na semana passada pela OCDE. Ainda assim, circulam pelo país vídeos, memes, panfletos e afins listando pretensos argumentos segundo os quais não existe déficit previdenciário no Brasil. É o típico desserviço à opinião pública. Uma modalidade de notícia falsa, que se tornou comum chamar de fake news. Dizem que bastaria rever isenções ou cobrar devedores para liquidar o rombo previdenciário. Se não for má-fé, é ilusão. Mesmo que isso fosse possível (muitos dos devedores são empresas falidas), as eventuais cobranças cobririam uma fração do déficit. O desequilíbrio estrutural seguiria intacto.

(Arte/VEJA)

Teorias alternativas demoram para morrer. Em outubro passado, foi aprovado no Senado, por unanimidade, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Previdência, cuja principal conclusão foi que não existe déficit previdenciário! Aos pobres dinamarqueses, condenados a trabalhar além dos 70 anos, não ocorreu a ideia de criar uma CPI para provar por A + B que tal infortúnio seja desnecessário.

Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2017, edição nº 2560

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