A tecnologia dos cacos
Juliana Maia, finalista do Prêmio VEJA-se na categoria Inovação, criou máquina para reciclar um tipo de vidro que não tinha destinação adequada no Nordeste
A paulistana Juliana Maia, finalista do Prêmio VEJA-se na categoria Inovação, enxergou na sustentabilidade ambiental um caminho para a vida profissional. Ao perceber as dificuldades dos grandes centros urbanos para descartar vidro laminado — que mistura plástico e vidraça e é comumente utilizado em para-brisas de carros e fachadas de edifícios —, Juliana desenvolveu uma máquina para reciclá-lo. Para colocá-la em uso, fundou a empresa Nova Brasil Ambiental, que conecta a cadeia de coleta com o reúso do material. Seria só mais um centro de reciclagem em meio a tantos outros se ela não tivesse sido instalada no Nordeste brasileiro, especificamente em Olinda, em Pernambuco, região que, antes da ideia de Juliana, oferecia ao setor vidreiro duas opções: transportar a carga por 3 000 quilômetros até São Paulo ou descartá-la irregularmente em aterros sanitários. (O material leva 4 000 anos para se decompor.)
Graduada em engenharia ambiental pela Faculdade Oswaldo Cruz, em São Paulo, Juliana, de 36 anos, iniciou a carreira na Essencis, a maior empresa de coleta de resíduos industriais de São Paulo. Tinha a tarefa de encontrar um destino para os descartes mais nocivos da indústria, de químicos como mercúrio a lixo hospitalar. Gerenciava uma carteira de clientes que somava cerca de 2 milhões de reais todos os meses. Na rotina do trabalho, observava os galpões de algumas companhias e notou que, mesmo na capital paulista, para-brisas e outros tipos de vidro laminado eram procurados por poucas empresas de reciclagem. “Uma luz se acendeu na minha cabeça quando um dos clientes me perguntou o que fazer para descartar aquele vidro”, relembra Juliana. “Nas semanas seguintes, pesquisei formas de reciclá-lo, mas as opções eram muito limitadas.”
Em 2013, a engenheira largou o emprego, juntou as economias e mudou-se para Pernambuco. “Fiz o caminho contrário ao que fizeram meus pais, que migraram da Bahia para São Paulo nos anos 1960. No Sul e no Sudeste, as coisas já estavam de certa forma resolvidas. No Nordeste, alguém precisava começar”, afirma. Ela tinha uma ideia, o apoio da família e um capital inicial (de aproximadamente 120 000 reais) para levar adiante a missão. No princípio, fez a trajetória da maioria dos empreendedores: estudou o modelo de negócio, seus custos e, em especial, seu impacto ambiental. Para isso, visitou o Recife a fim de descobrir quais lojas de autopeças e construtoras estavam interessadas em fornecer o vidro e quais seriam os possíveis compradores para o reúso. Os maiores clientes em potencial eram as recém-instaladas empresas do Polo Vidreiro de Goiana, ao norte de Olinda. O setor havia investido 54 milhões de reais em infraestrutura e precisava do negócio de Juliana para complementar o ciclo de produção. “Todos ficaram empolgados quando apresentei a ideia, dos empresários ao setor público. Ali ganhei alguns padrinhos, que foram importantes para dar continuidade à empreitada.” Em 2014, Juliana já tinha interessados na coleta do vidro e clientes para comprar a matéria-prima reciclada. E tudo sem sinal de concorrência.
“Eu vi um negócio onde muitos viam lixo”, diz a engenheira ambiental
O primeiro empecilho, no entanto, foi descobrir que não existe à venda maquinário para separar vidro laminado, o que explicava a acumulação do material nos depósitos. A única solução seria criar a máquina quase do zero. “Eu tinha tudo preparado para começar, mas não fazia ideia de como aquele sistema de reciclagem era exclusivo”, diz Juliana. Para obter um financiamento, ela foi até a Agência de Fomento do Estado de Pernambuco (Agefepe) e o Banco do Nordeste e apresentou um primeiro esboço do projeto, que ainda não havia sido testado. O empréstimo saiu, mas os meses seguintes foram de muitas tentativas e erros. As primeiras versões da máquina não funcionavam como esperado, e o dinheiro e os prazos para apresentar a solução aos futuros clientes estavam se esgotando. Em um último fôlego, depois de muitos ajustes e — como ela descreve — “gambiarras”, Juliana conseguiu finalizar o equipamento. Vidro e plástico eram separados e limpos, e cerca de 150 toneladas poderiam ser preparadas nos primeiros meses de operação. Com o que sobrou das economias, ela alugou um galpão, contratou funcionários e pôs a Nova Brasil Ambiental para funcionar.
Hoje a empresa se soma ao esforço, ainda pequeno, para reverter uma fração dos 120 bilhões de reais que o Brasil perde anualmente por não reciclar seu lixo. O país gera quase 80 milhões de toneladas de rejeitos por ano e recicla apenas 3% do total. O negócio da Nova Brasil Ambiental ainda não é lucrativo, mas os números estão crescendo e a empresa já atingiu a produção de 230 toneladas de vidro moído por mês (a tonelada chega a ser vendida por 200 reais). Esse volume está abaixo do necessário para equilibrar as contas e, para completar o volume, a Nova Brasil Ambiental passou a recolher também vidros comuns.
A empreendedora estabeleceu uma cooperativa de catadores na região metropolitana do Recife. Com isso, cerca de quarenta pessoas conseguem gerar renda para sua família trabalhando com coleta seletiva, além de ajudar a diminuir o impacto causado pela falta de planejamento no retorno do lixo da região. Depois de seis anos liderando uma empreitada ambiental, Juliana acredita que é possível expandir a infraestrutura e criar um meio sustentável de produção e um complexo sistema de reciclagem: “A falta de soluções para destinar resíduos é justamente o espaço que temos para criá-las. Eu vi um negócio onde muitos viam lixo. Se o consumo não tem freio, a reciclagem também não deveria ter”.
Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2018, edição nº 2593