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A ordem é desapegar-se

Nestes tempos de promoção da simplicidade, ter um armário abarrotado não pega bem. Resultado: os brechós e bazares vendem como nunca

Por Bruna Motta
Atualizado em 4 jun 2024, 16h37 - Publicado em 6 jul 2018, 06h00

Foi-se o tempo em que mulheres abastadas lotavam o Facebook com fotos de seus closets abarrotados. Diante de uma combinação de fatores que começa na crise econômica, passa pelas onipresentes pregações ambientalistas e desemboca na propagada conversão de famosos a um estilo de vida mais simplesinho, as consumidoras vorazes vêm se rendendo a uma realidade inescapável: ter coisa demais no guarda-roupa não pega bem.

O movimento em direção à diminuição dos cabides alimenta um ramo de negócios de pouco destaque até algum tempo atrás, o dos brechós on-line. Antes confinado a lojas meio empoeiradas, o comércio de peças seminovas, inflado pelos novos tempos, vem migrando para a internet. Segundo pesquisa do Sebrae, entidade voltada para pequenas e médias empresas, em 2015 os brechós on-line já eram quase 20% do total de brechós no país — e continuam aumentando.

Que fique claro: comprar vestido, bolsa, sapato e bijuterias continua sendo o esporte preferido de boa parte da população feminina do planeta. Mas cada vez que Kate, a futura rainha da Inglaterra, repete roupa — e ela repete com frequência —, ou que alguma atriz no tapete vermelho diz que comprou seu vestido “num brechó de Los Angeles”, o ato de entupir armários vai parecendo menos glamouroso. Daí para a primeira bolsa usada de grife é um passo, como mostram os números do comércio de segunda mão. A enjoei, a maior plataforma-brechó brasileira, tem mais de 3,5 milhões de usuários e faz 180 000 transações por mês. As vendas nos primeiros seis meses deste ano ficaram 60% acima das do mesmo período de 2017. “É um hábito recente. As pessoas estão percebendo o atrativo econômico de adquirir o que alguém dispensou e perdendo a vergonha de usar esses produtos”, explica a gerente Ludmila Brait.

Em geral, são as donas das peças que procuram os brechós, que, por sua vez, examinam as fotos e decidem se aceitam revendê-las. Aprovados, os produtos vão para o site a preços até 90% inferiores ao original. O brechó cobra uma comissão de 20% a 40% pela venda; a dona da peça tem a opção de receber sua parte ou deixá­-la como crédito na loja — uma alternativa tentadora, que, convenhamos, não colabora com o objetivo inicial (aliás, qual era ele mesmo?).

A ordem é desapegar-se
COMPRO E VENDO –  Luana: agora com família, virou dona de brechó on-line (Yuri Sardenberg/Divulgação)
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Daniela Carvalho, que comanda o Peguei Bode com a irmã Gabriela, oferece o estoque mais luxuoso (e caro) da comunidade: nas prateleiras virtuais circulam marcas como Dior, Chanel e Versace — tudo usado. “O preconceito está sendo vencido em todas as faixas de renda. Muitas milionárias compram com a gente”, afirma Daniela, que cita entre as clientes-vendedoras Camila Pitanga, Marina Ruy Barbosa e Fernanda Lima. Já outra atriz, Luana Piovani, resolveu virar sócia de um brechó on-line, o Cansei Vendi, onde também se abastece. “Agora que tenho família, filhos, funcionários, não dá para gastar dinheiro só comigo”, argumenta.

Ao lado dos brechós, crescem e aparecem as iniciativas de troca de roupas usadas, o clothing swap. As paulistas Giovanna Nader e Raquel Vitti idealizaram o Projeto Gaveta, que efetua o troca-troca — sem dinheiro envolvido — em encontros (físicos) duas vezes por ano. A própria Giovanna é propaganda viva de seu projeto. “Fiquei grávida e não comprei roupa nova. Amigas me emprestaram, usei duas calças de elástico que já tinha e pronto. Foram sete peças durante toda a gravidez”, diz. A cantora Preta Gil promove há dez anos, no Rio de Janeiro, o Bazar da Preta, recheado de peças do armário de artistas, com renda revertida para instituições beneficentes. O movimento cresceu tanto que, em maio, teve sua primeira versão em São Paulo. “O bazar virou moda, coisa chique”, comemora.

A reciclagem do closet tem impulsionado uma profissão nova, “o personal encolhedor de guarda-roupa” (ah, era esse o objetivo inicial!). A carioca Alexandra Melo cobra 120 reais por hora e explica o seu trabalho: “Eu ajudo em uma coisa que as clientes simplesmente não conseguem fazer sozinhas: descartar peças. No fundo, ofereço mesmo é suporte emocional para a tarefa”. Em junho, Fiona Golfar, editora da revista Vogue inglesa, relatou no jornal The Times o que chamou de detox do seu enorme closet. Ela acabou o dia com caixas e mais caixas de excedentes, “considerável dor no coração” e grande alívio. E, se não deu seu obrigatório passinho na direção de uma vida mais simples, ao menos conseguiu um armário com espaço para acomodar umas roupinhas novas.

Publicado em VEJA de 11 de julho de 2018, edição nº 2590

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