Todos sabemos que para falar a uma criança e ser verdadeiramente ouvido por ela é preciso ter clareza sobre o que sentimos e o que queremos transmitir. No caso do luto, nossa dificuldade para lidar com o assunto pode atrapalhar — e muito — a forma como uma criança que perdeu alguém querido vai reagir. A raiz do problema está na nossa cultura: os tabus relacionados à morte tornam ainda mais dura a vivência infantil do luto. Nossa tendência é preferir o silêncio para não enfrentar nossa própria dor nem vê-la refletida no outro.
No Ocidente, a morte ainda é tabu. Quase não falamos sobre isso e torcemos para que a criança não pergunte e não tenhamos de responder. O desconforto maior, na verdade, é do adulto. É parte da nossa cultura a dificuldade de falar sobre coisas tristes.
Uma proposta que poderia ajudar a quebrar o tabu é a da psicóloga americana Jessica Nutik Zitter. Ela acredita que deveríamos incluir os temas do luto e da morte no currículo escolar, tal qual fizemos com a educação sexual no último século. Jessica Zitter conduziu essa experiência em uma escola americana e obteve ótimos resultados. Mas, até uma iniciativa como essa ser aceita e tornar-se acessível a toda a sociedade, as crianças verão e sentirão os adultos lidando de forma problemática com o luto, o que aumentará ainda mais sua insegurança. Tendo perdido um dos pais, elas vivem situações traumáticas como o Dia dos Pais ou o Dia das Mães na escola. São ocasiões em que a exposição da ausência intensifica a dor. Sobre isso, vai a primeira provocação: não seria hora de as escolas eliminarem esses dias e passarem a adotar — se acharem importante — o Dia da Família? Isso poderia ajudar muito.
Seja em casa, seja na escola, o que realmente importa é que podemos iniciar um trabalho de acolhimento adequado à criança que vive o luto. Nosso site, Vamos Falar sobre o Luto, tem por missão levar informação e inspiração para tornar menos doloroso o processo de perda. A partir de entrevistas que fizemos e conversas que tivemos com enlutados, listamos aqui algumas questões que envolvem o luto infantil e ideias sobre como os adultos podem ajudar os pequenos nesse processo.
• O luto é um assunto (também) para as crianças.
“Falar ajuda a criança a ficar mais aliviada e a administrar o sentimento de perda, além de endereçar a dor para o que realmente é. A criança precisa das respostas para restabelecer seu mundo interno, trabalhar com a ruptura, encontrar novos alicerces para conseguir se mover a partir daquele ponto”, diz a psicóloga Isabela Hispagnol. Se a criança se fecha ao assunto, é importante encontrar outras formas de trabalhá-lo, por meio de brincadeiras e histórias infantis ou mesmo da natureza (a vida das plantas e dos animais). Mesmo que não demonstre, essa história está dentro dela. Não precisamos dizer à criança que só morremos quando ficamos velhinhos. Mas, sim, que a gente espera que as pessoas morram bem velhinhas, só que, às vezes, por causa de acidentes ou de doenças muito graves, elas podem morrer antes. E reforçar que, para morrer, é preciso uma doença muito grave, e que a maioria delas pode ser curada com remédios.
• Estar preparado para responder às mesmas perguntas (das crianças) várias vezes.
Pacientemente, devemos responder à mesma pergunta quantas vezes for preciso. Diz a psicóloga Isabela: “Quando uma criança repete uma pergunta, não é porque não entendeu o esclarecimento, mas porque está reinterpretando o fato, já que sua base de conhecimento mudou”.
• Quanto mais claro e verdadeiro, melhor.
Optar por respostas que garantam a diminuição das contradições, das dúvidas e das ambiguidades é a recomendação dos especialistas. Deve ficar claro, em primeiro lugar, que aquela pessoa não volta mais, para não gerar uma expectativa irreal. Mas que se tornará presente, ao longo do tempo, por meio de outras formas que a criança vai conseguir acessar: na lembrança, no coração, nas músicas, nas brincadeiras e em tantas outras coisas.
• Ficar atento a necessidades e limites das crianças.
Uma alternativa é devolver a pergunta a ela. Indagar o que ela está sentindo. Assim, é possível saber até onde quer ir e não ultrapassar esse ponto. O importante é criar um espaço de conversa para que a criança possa administrar o sentimento que surgiu, mas sem trazer informações além do que ela consegue absorver naquela hora. E com a linguagem mais adequada ao seu momento e aos sentimentos. Vale a linguagem direta, a da brincadeira, a da leitura, a do teatro, a da terapia, a do amor. “Não omitir é vital, mas responder de forma simples, sem ultrapassar aquilo que a criança perguntou, também é. Deve-se ser verdadeiro e objetivo, respondendo às perguntas à medida que aparecerem, sem deixar lacunas nem perguntas sem resposta”, diz a psicóloga.
• Não esconder o próprio sentimento.
É claro que não vamos nos desesperar perto das crianças, mas é importante que elas tenham noção do sofrimento adulto e de que esse sofrimento nada tem a ver com elas, para que se sintam esclarecidas mas não culpadas ou angustiadas.
• Tornar o assunto algo natural. E, quando isso acontecer, teremos uma relação de dois lados, em que é possível que a criança e o adulto se ajudem e troquem dores, lembranças alegres e experiências de amor que envolvem o luto, porque essas são coisas que não costumam faltar.
Este é um texto que eu gostaria de ter lido quando minha família precisou pensar sobre isso: como poderíamos ajudar o Rodrigo, meu neto que hoje tem 6 anos, a entender, aceitar e lidar de um jeito saudável com a falta e a saudade de seu pai, meu filho Paulo, que partiu em 2012, aos 28 anos. Hoje me sinto aliviada. O Paulo é um assunto presente entre nós. Falamos sobre ele, sobre seu amor pelo Rodrigo, no que se parecem e no amor eterno que existe entre os dois. Isso ajuda o Rodrigo e ajuda a cada um de nós, adultos, a viver da mesma forma.
Os adultos podem proporcionar um caminho melhor às crianças que enfrentam o luto, para que possam construir uma experiência de vida em que a falta seja preenchida com amor e entendimento.
* É publicitária e cofundadora do site Vamos Falar sobre o Luto
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2018, edição nº 2563