“Eu fiz uma coisa má / Por que estou me sentindo tão bem?”, pergunta Taylor Swift em I Did Something Bad. A faixa de reputation (assim mesmo, com letra minúscula), o sexto álbum de estúdio da americana, apresenta uma mudança de comportamento. Pela primeira vez, a pop star deixa a imagem de princesinha — uma postura virginal que lembrava muito a da cantora brasileira Sandy, no início da década passada — para se assumir como uma mulher de 27 anos. Saem as letras com queixumes contra ex-namorados (e contra as lambisgoias que os roubaram) e entra uma postura de franco desafio: “Desculpe, mas a velha Taylor não pode atender o telefone agora. Ela está morta”, canta em Look what You Made Me Do, single que pode ser encarado como um resumo da sua nova fase. Em reputation, Taylor fala palavrão, canta sobre bebedeiras e sexo. E, se sua carreira inicial foi firmada nas raízes da música caipira (ainda que com arranjos modernosos), hoje é puro pop — um passo além do disco anterior, 1989, a primeira tentativa de Taylor no terreno de uma Katy Perry (a quem ela supera com folga).
O público aceitou de bom grado a transformação. Lançado em novembro — e conspicuamente ausente de Spotify e outras plataformas de streaming —, o novo disco vendeu 1,2 milhão de cópias na primeira semana, o que é mais do que os outros 199 álbuns da parada da revista americana Billboard juntos. Na seguinte, foram mais 232 000 unidades. É o lançamento mais bem-sucedido de 2017. A cantora frequenta essas alturas há tempo: é seu quarto disco a ultrapassar a marca do milhão.
Taylor Swift é um caso exemplar de artista que sabe gerir a própria carreira, com uma frieza e um pragmatismo que lembram Madonna. Nascida em Reading, cidade do Estado da Pensilvânia, ela se mudou para Nashville na adolescência para perseguir uma carreira como diva country. Durante esse período, distribuía kits promocionais a empresários e gravadoras e cantava no Bluebird Cafe, boteco de onde saíram alguns dos principais nomes do country moderno — entre eles, Garth Brooks, o maior do gênero na década de 90. Em 2004, a jovem Taylor caiu nas graças de Scott Borchetta, empresário que a levou para sua gravadora, a Big Machine Records. Ainda que Borchetta tenha sido uma espécie de mentor da artista novata, ela desde o início foi responsável pela própria carreira, além de compor a maior parte do que canta. “Taylor sabe exatamente o que quer para sua canção”, diz o guitarrista americano Eric Silver, parceiro do violeiro brasileiro Almir Sater, que chegou a trabalhar com a pop star nos estúdios de Nashville.
reputation reflete o temperamento independente da cantora. Seus consagrados produtores — os suecos Max Martin e Shellback e o americano Jack Antonoff — em geral tendem a apagar a individualidade dos intérpretes com quem trabalham. Não aqui: a voz e os temas de Taylor são reconhecíveis. Trata-se de um disco pessoal, como costumam ser os trabalhos da cantora. Mas ela aprendeu a rir de si mesma. Faz piada de sua ingenuidade, de sua inocência, de sua antiga aura de garota perfeita. Algumas canções emulam as grandes divas do pop — Don’t Blame Me lembra muito os flertes de Madonna com a música gospel —, porém Taylor jamais soa como o produto genérico de uma gravadora (vale repetir: ela não é Katy Perry).
O controle feroz que ela exerce sobre sua música também se traduz na maneira como se relaciona com os meios de comunicação. Taylor não concede entrevistas há quase dois anos — prefere dialogar diretamente com seus fãs através das redes sociais. Manifesta-se sobre o que quer e na hora em que deseja. Explica suas atitudes nas canções — especialmente quando narra romances que não deram certo. Sua plataforma predileta é o Tumblr, onde posta desde comentários autodepreciativos até declarações apaixonadas aos fãs, os chamados swifties. “Ela é uma estrela que se comporta como fã”, disse Tatiana Simonian, especialista em mídias sociais, ao jornal americano The New York Times. Às vezes, a própria imprensa dá motivos para o voto de silêncio de Taylor. Recentemente, o jornal inglês The Guardian publicou um artigo em que insinuava que a cantora seria uma fã de Donald Trump. Não há declaração da artista endossando o presidente americano — mas o artigo considera suspeito que ela tampouco fale contra ele. Outro paralelo forçado no texto: Taylor Swift prefere se manifestar através das redes sociais a falar com jornalistas — tal como Trump. Realmente, às vezes é melhor dedicar-se apenas aos fãs.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559