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A guerra aos canudos

Depois que o vídeo de uma tartaruga sufocada por um cilindro de plástico viralizou na internet, ganhou força a grita contra um símbolo do nosso tempo

Por André Lopes e Tatiana Babadobulos
Atualizado em 4 jun 2024, 16h54 - Publicado em 23 fev 2018, 06h00
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  • Quando se pede uma bebida em um fast-food, é comum ela ser servida com um canudo plástico embalado em papel — ou mesmo em plástico! O costume surgiu nos Estados Unidos dos idos de 1960 e se popularizou ao redor do planeta. Contudo, nos últimos três anos essa tradição tem sido questionada, em razão da crescente conscientização em torno dos impactos ambientais da fabricação dos aparentemente inocentes canudinhos. Em alguns lugares, especialmente nas regiões do mundo em que as preocupações conservacionistas são mais agudas, eles começam a ser abolidos.

    No Estado da Califórnia, por exemplo, há um projeto de lei, com alta probabilidade de aprovação, que propõe punição, com multa de 1 000 dólares e até seis meses de prisão, a donos e funcionários de estabelecimentos que oferecerem o canudinho aos clientes sem perguntar se eles querem. O banimento vem se espalhando gradualmente pelos Estados Unidos, com adesão de restaurantes em metrópoles como Nova York. Na Inglaterra, a rainha Eliza­beth II comoveu-se com o documentário Blue Planet 2 (Planeta Azul 2), lançado pela BBC no ano passado, que trata do impacto que a poluição dos mares pelo descarte de materiais plásticos provoca nos animais marinhos. Ela decidiu proibir o uso dessas mercadorias nas propriedades da família real e sugeriu que gostaria que a medida fosse replicada em todo o Reino Unido. No Brasil, o grito também já começa a ecoar.

    Os modelos de plástico podem ser substituídos pelos reutilizáveis, como os de inox ou vidro

    arte-canudos
    (Arte/VEJA)

    A guerra contra os canudos teve início espalhafatoso em 2015, quando se difundiu pela internet (e onde mais poderia ser?) um vídeo no qual dois pesquisadores retiravam cilindros plásticos da narina de uma tartaruga marinha, no litoral da Costa Rica. A operação, de improviso, realizada com um alicate, durou quase dez minutos e levou o animal a desesperadora agonia. A comovente gravação viralizou e chamou atenção para o problema. Mais da metade das tartarugas marinhas morre asfixiada pela ingestão de alguma forma de lixo, em especial o constituído de insumos plásticos, que correspondem a 90% dos detritos despejados nos oceanos. Apesar de sua fabricação demandar apenas 4% do plástico produzido no planeta, os canudinhos figuram entre os dez resíduos mais achados em praias e mares.

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    Eles são um grande inimigo da natureza por várias razões. A principal delas é que, mesmo que a vida útil de cada um deles seja de dez minutos — o tempo que se gasta para tomar um refrigerante —, os cilindros de plástico levam 500 anos para se decompor. Por isso, desde que a produção em larga escala teve início, nos anos 60, estima-se que vaguem por aí, como detritos, 8,3 bilhões de toneladas de objetos feitos de plástico. Além disso, a indústria do poliestireno colabora para o agravamento do aquecimento global, pela emissão de gás carbônico (CO2) na atmosfera, polui ecossistemas e ameaça a sobrevivência de animais em risco de extinção, como algumas das espécies de tartarugas marinhas.

    Diante dos dados alarmantes, iniciou-se o movimento de extinção dos canudos. Convenhamos, substituí-los é fácil. A alternativa mais simples é tomar direto do copo. Para quem não gosta da prática, por receio de beber de latas infectadas ou copos mal lavados, também há substituições possíveis. Nos EUA, tem se tornado comum pessoas carregarem consigo versões reutilizáveis, feitas de inox ou silicone. Medida essa que começou a se disseminar por outras nações, como o Brasil. Baseada no Rio de Janeiro, a fabricante Mentah! é uma das pioneiras, em âmbito nacional, na venda exclusiva de modelos reutilizáveis produzidos com vidro — de sua fábrica, saem 3 000 unidades por mês. Outro bom exemplo é o da rede espanhola de hotéis Iberostar. No ano passado, a multinacional baniu os canudos das 110 filiais que possui pelo mundo, incluindo duas na Praia do Forte, na Bahia.

    Defende a antropóloga franco-­marroquina Mounia El Kotni, uma das fundadoras do movimento francês Bas les Pailles (Abaixo os Canudos): “É preciso engajar as pessoas nessa meta. Temos nos manifestado, com protestos deflagrados em setenta cidades de trinta países”. Entretanto, se é tão fácil substituir os canudos plásticos, quais são os impedimentos para que isso ocorra de vez? Há dois: um econômico e um cultural. O mercado de canudos comercializa, só nos EUA, 500 milhões de exemplares ao dia. No Brasil, não há dados tão precisos, mas o IBGE divulga que a produção foi de 2 800 toneladas em 2015. Esses números grandiosos resultam em lucro e empregos. Já do ponto de vista dos costumes, o canudinho se tornou um item do dia a dia. O primeiro modelo popular data de 1888, inventado pelo americano Marvin Stone, e era feito de papel, também danoso à natureza. Com a explosão das lanchonetes nos EUA, iniciou-se a venda das versões de plástico, porque os papéis eram considerados frágeis. E o canudo rapidamente virou unanimidade mundial — do milk-shake à caipirinha, da Coca-Cola ao suco de laranja. O fato é que o canudo, tão simpático, com seu ar infantojuvenil, está deixando de combinar com outro hábito mais moderno e inteligente: o de viver de forma sustentável.

    Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571

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