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A 10 metros da van

O médico carioca Bernard Giancristoforo Campos, de 27 anos, testemunhou o terror em Barcelona e salvou uma vida

Por Eduardo F. Filho Atualizado em 25 ago 2017, 15h15 - Publicado em 25 ago 2017, 06h00

Cheguei a Barcelona em 17 de agosto. Foi minha primeira viagem à Europa, e comecei pela Espanha, em Madri, na companhia de um amigo. Fui a Barcelona porque havia comprado ingresso para assistir a um jogo entre o Real Madrid e o Barcelona. Poucos dias antes, o jogo fora adiado, mas mantive a viagem mesmo assim. Na manhã em que cheguei, logo saí para conhecer a cidade, começando pela Catedral, pelo Muro Romano e pelo Bairro Gótico. À tarde, a primeira parada era o mercado La Boquería, e a forma mais fácil de ir até ele era passando por Las Ramblas, a avenida mais famosa de Barcelona, que liga a Praça Catalunha ao Porto Velho. Ela estava lotada de turistas como eu, mal dava para andar. Dez minutos depois de chegar à avenida, avistei uma barraca que vendia óculos de sol e parei para ver alguns modelos. Foi isso que me salvou. Deus colocou aquela barraca ali porque eu estava justamente caminhando em direção ao local onde ocorreu o atentado. Cinco minutos depois, quando ainda estava olhando os óculos, comecei a ouvir gritos e vi uma multidão vindo em minha direção. Atrás dela, uma van ensanguentada arrebatava quem estava na frente. O carro passou a 10 metros de mim. Corri para uma cafeteria ao lado, sem entender direito aquela situação, e me escondi embaixo do balcão. Devo ter ficado uns vinte minutos ali, junto com várias pessoas, todas tentando descobrir o que estava acontecendo. Já se sabia que havia gente morta na avenida, mas ninguém podia afirmar com certeza se os terroristas haviam mesmo ido embora. Quando finalmente saí da cafeteria, o cenário era de guerra. Ambulâncias, viaturas, seguranças, todos armados da cabeça aos pés. Pessoas estiradas no chão, familiares chorando ao lado de corpos, gente morta e muitos feridos. Havia sangue no chão, escorrendo pelas paredes, era possível sentir o medo no ar.

Comecei a ajudar as pessoas. Era meu dever como médico. Fiz o que pude, o que as condições permitiam. Logo que perceberam que eu era médico, alguns policiais me pediram ajuda dizendo que um homem estava no chão passando muito mal. Quando cheguei, ele estava tendo uma parada cardiorrespiratória. Mas a máscara que havia sobrado naquele momento era pediátrica, não cabia no rosto dele. Só restava a massagem cardiorrespiratória, que fiz por uns trinta minutos até que uma nova máscara chegasse, junto com o desfibrilador. No entanto, foi tarde demais. Ele morreu ali na rua, nas minhas mãos. Acho que não tinha mais que 30 anos, e o parente que o acompanhava me disse que ele estava bem antes da tragédia. Que estava rindo, feliz. Nessa hora, caiu a ficha e percebi o que estava acontecendo.

Outro policial pediu que eu atendesse uma menina asiática, de não mais que 20 anos. Ela tinha fraturado duas pernas e um braço. Perdera muito sangue e estava pálida, porém não havia equipamento para soro, tampouco médico para levá-la. Eu não queria perder outra pessoa. Por isso a tirei do chão com cuidado, esperei uma ambulância vazia e a levei eu mesmo até o hospital. Ela não está na lista de mortos, então acho que sobreviveu, e fico feliz de saber que ajudei a salvá-­la. Queria ter certeza de que está bem, mas nem sei o nome dela. Naquela noite, quando me deitei para dormir, desabei. Não parava de chorar e não consegui dormir.

Foi tudo muito rápido. Você não entende que aquilo está acontecendo com você até que muito tempo tenha se passado. Como pode alguém planejar uma barbaridade dessas para acabar com a vida dos outros? Voltei a Las Ramblas três dias depois, no domingo. Tinha de voltar. Era meu aniversário, e eu havia combinado de encontrar alguns amigos na cidade. Fui até a cafeteria, andei pela rua, o clima estava pesado. Agradeci pela minha vida e por ter tido a chance de salvar alguém.

Depoimento a Eduardo F. Filho

Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2017, edição nº 2545

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