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A efervescente mistura entre Estado e religião no Brasil de Bolsonaro

O país caminha firme para se tornar a segunda maior nação evangélica do mundo

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 jan 2021, 16h09 - Publicado em 8 jan 2021, 06h00

Nas décadas de 70 e 80, a maior parte das igrejas evangélicas era conhecida pelo ascetismo político e cultural. Elas seguiam à risca o ensinamento bíblico de que os seguidores de Cristo “não pertenciam a este mundo” e, portanto, deveriam se manter afastados da “sociedade mundana”. Não era incomum encontrar manuais de boas condutas que tratavam a política como algo do demônio. Com a chegada do movimento neopentecostal, que deu origem a verdadeiros impérios religiosos, como a Universal de Edir Macedo, essa percepção mudou: o “mal” não seria mais combatido. “Eles perceberam que era mais vantajoso estar próximo do poder do que longe dele”, diz Luciano Luna, um dos coordenadores do núcleo religioso do PSDB. A comunidade evangélica levou ao pé da letra o novo mandamento. No governo de Jair Bolsonaro, cujo slogan é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, essa aliança ganhou uma dimensão inédita. A influência religiosa no Brasil de Bolsonaro vai desde as pautas de comportamento ditadas pelo Palácio do Planalto até a indicação de cargos por critérios religiosos, cuja expressão máxima é a pretensão do presidente de nomear para uma das vagas a ser abertas no STF um ministro “terrivelmente evangélico”. Para as eleições de 2022, o capitão ainda cogita ter como vice a ministra-pastora Damares Alves ou o deputado-cantor gospel Marco Feliciano (Republicanos).

A ascensão dos evangélicos na política e na sociedade não é um movimento anormal, tendo em vista que a sua influência cresce à medida que engrossam as fileiras de fiéis — hoje, já representam um terço da população. O Brasil caminha para ser o segundo maior país do mundo de maioria protestante — os Estados Unidos são o primeiro. Conforme previsões do demógrafo José Eustáquio, professor aposentado da Escola Nacional de Estatísticas do IBGE, os católicos deixarão de ser metade da população em 2022 e devem ser ultrapassados pelos evangélicos por volta de 2030. Tendo o Brasil como eixo condutor, o fenômeno ocorre em toda a América Latina, enquanto nos países mais desenvolvidos cresce o porcentual dos ateus e sem religião.

CONSELHEIRO MARCO FELICIANO NA MARCHA PARA CRISTO EM SÃO PAULO - um dos políticos mais próximos ao presidente -
CONSELHEIRO MARCO FELICIANO NA MARCHA PARA CRISTO EM SÃO PAULO – um dos políticos mais próximos ao presidente – (Newton Menezes/Futura Press)

O grande problema desse fenômeno não está no fato de os evangélicos ocuparem espaços importantes da sociedade brasileira, mas na mistura de Estado com religião até o ponto em que não seja mais possível diferenciá-los. “Essa é uma confusão perigosa para uma sociedade pluralista, pois supõe que o poder de coerção do Estado faz valer as opções morais e religiosas de um segmento da sociedade sobre os demais”, afirma Cláudio Couto, professor de gestão e políticas públicas da Fundação Getulio Vargas.

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E é justamente essa imposição de ideias que pode levar o Brasil a andar para trás em comparação com outros países. Projetos sobre temas importantes, como a permissão do aborto e a descriminalização das drogas, dormitam nos escaninhos do Legislativo por força do lobby evangélico. Além de batalhar pelas questões morais, os parlamentares da bancada da igreja dedicam parte considerável do mandato a garantir alvarás de templos, perdão de dívidas e isenções de impostos.

A MINISTRA DAMARES ALVES - Cogitada como possível vice em 2022 -
A MINISTRA DAMARES ALVES – Cogitada como possível vice em 2022 – (Reprodução/Instagram)

Um dado curioso é que, historicamente, boa parte dos evangélicos sempre lutou pela bandeira do Estado laico e da liberdade religiosa, uma vez que se viam oprimidos pela Igreja Católica — que na época da monarquia era considerada a religião oficial do Brasil. “Com o crescimento dos evangélicos pelo país e o ativismo político, ocorre novamente essa confusão, menos atrelada à denominação oficial (porque as igrejas evangélicas são muitas) e mais pela incorporação da pauta moral à agenda governamental”, acrescenta Couto, da FGV.

Apesar dos afagos constantes do presidente à bancada e aos eleitores dessa religião, ironicamente os evangélicos são menos fiéis que o outro grande pilar de sustentação de apoio ao governo, os bolsonaristas ideológicos. “Enquanto o presidente tiver a determinação de defender as bandeiras que acreditamos que trarão bênção e prosperidade ao país, estaremos juntos”, afirma o líder da bancada evangélica no Congresso, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM). Entre os líderes religiosos, há uma máxima hoje que às vezes é levada mais a sério do que as palavras da Bíblia: “Os governantes passam, mas a igreja permanece”.

Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720

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