Zanin se destaca na disputa ao STF e é alvo de cabos eleitorais dos rivais
Nos bastidores, o advogado que reabilitou Lula na Justiça é apontado no momento como o mais bem posicionado para ser alçado à Suprema Corte
A primeira das indicações ao Supremo Tribunal Federal que Luiz Inácio Lula da Silva fará em seu terceiro mandato tem sido cercada de expectativa e simbolismo, diante do histórico recente do petista, alvo de processos e condenações judiciais. Preso e relegado ao ostracismo, sua surpreendente redenção na Justiça serviu de ponto de partida para a volta à Presidência. À medida que se aproxima a aposentadoria compulsória do ministro Ricardo Lewandowski, cuja data limite é 11 de maio, quando ele completa 75 anos, afunila-se por trás das cortinas a disputa pela sua cadeira na Corte. Nas bolsas de apostas da política e do mundo jurídico, três nomes são vistos como os mais viáveis para uma indicação por Lula à Corte: o advogado Cristiano Zanin Martins, responsável pela defesa do petista na Lava-Jato, o presidente do TCU, Bruno Dantas, e o advogado Manoel Carlos de Almeida Neto.
Nos bastidores, Zanin é apontado no momento como o mais bem posicionado para ser alçado à Suprema Corte. Aos 47, o advogado paulista foi o único “candidato” à vaga de Lewandowski citado publicamente por Lula como possível ungido — o petista declarou recentemente em entrevista que, se optar por seu defensor, “todo mundo compreenderia que ele merecia ser indicado”. Em um ambiente onde vetos de ministros costumam ser fatais às pretensões de qualquer “supremável”, uma declaração da ministra Cármen Lúcia ao programa Roda Viva, da TV Cultura, há duas semanas, sobre a possível escolha de Zanin também foi um sinal forte de que os atuais membros do STF não se opõem ao nome dele. Vista como nome de bom trânsito entre as diferentes alas do Supremo, Cármen afirmou na ocasião que não haveria impedimentos ao nome do advogado em função de suas ligações com Lula e que ele preenche os dois quesitos constitucionais para integrar a Corte: “reputação ilibada” e “notório saber jurídico”.
Devido a esse protagonismo, Zanin tem sido alvo cada vez mais frequente de críticas de adversários. Previsivelmente, o ex-procurador da Lava-Jato e deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e o ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR) puxaram o coro de apupos a essa possibilidade. Caso ela se confirme, ironia da história, Moro, que sempre sonhou com o STF, será um dos senadores encarregados de sabatinar Zanin. Mas é nos bastidores que a artilharia é mais pesada e incômoda contra o advogado de Lula, promovida por alguns membros graduados do Grupo Prerrogativas, formado por juristas ligados ao PT. A maior parte dos integrantes da turma apoia hoje Manoel Carlos, ex-assessor de Lewandowski e incluído no rol de favoritos justamente por essa ligação e apoio do ministro, o que significa muito, aliás, dado o prestígio dele junto a Lula.
Entre os disparos recentes contra Zanin houve até um caso de “desinformação” disseminada em um grupo de WhatsApp que inclui membros do Prerrogativas. Em 23 de fevereiro, ao responder a uma mensagem do criminalista Fábio Tofic de que a indicação do advogado ao STF seria negativa porque poderia soar como “retribuição” ao fato de ter defendido Lula “gratuitamente”, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que essa era uma “história mal contada”. Em seguida, Kakay, que é um dos nomes mais conhecidos do Prerrogativas, disse ter ficado sabendo, por meio de um tesoureiro do PT, que Zanin teria recebido 14 milhões de reais do partido em honorários. Ex-tesoureiro do PT, o deputado Emidio de Souza nega a cifra. Segundo contas prestadas pelo partido ao TSE, o escritório de Zanin recebeu 1,7 milhão de reais do PT entre 2019 e 2022, além de 1,2 milhão de reais da campanha de Lula em 2022.
No Prerrogativas, as mensagens foram vistas como um fato isolado, e seu coordenador, Marco Aurélio de Carvalho, minimizou o episódio, dizendo atuar contra “fofocas”. Embora garanta que vai apoiar qualquer escolha de Lula, no grupo diz-se que Zanin pode até ser leal ao presidente, mas não é considerado progressista nem sensível às agendas econômicas e sociais. “Ninguém sabe exatamente o que ele pensa, por isso ganhou o apelido de ‘esfinge’ ”, critica um membro do grupo. A preferência por Manoel Carlos, diga-se, também é compartilhada por parte da velha guarda do PT, com quem Zanin não tem maiores relações.
Antes de entrar na mira, aliás, o advogado chegou a ser membro do Prerrogativas. Um dos principais motivos alegados para o distanciamento foram tentativas infrutíferas do grupo de interferir na linha de defesa de Lula. No auge da Lava-Jato, poucos acreditavam que seria sábio tentar o impedimento de Moro, como fez Zanin. A tese custou a emplacar, mas ganhou tração definitiva com a divulgação dos diálogos comprometedores entre membros da força-tarefa de Curitiba e o ex-juiz, no episódio que ficou conhecido como a Vaza-Jato. A pessoas próximas, Zanin diz que também se incomoda com uma atuação classificada como de “partido político” por parte do Prerrogativas, além de manifestações que buscam mostrar o grupo como mais influente no governo Lula do que realmente é.
Por outro lado, membros do Prerrogativas têm dito que os ventos da sucessão de Lewandowski voltaram a soprar a favor de Manoel Carlos de Almeida Neto. A avaliação considera que haveria ao menos mais uma chance para Zanin ser indicado ainda neste mandato de Lula, quando a ministra Rosa Weber se aposentar, em outubro — além da possibilidade de uma outra vaga ser aberta, caso se confirmem os rumores de que o ministro Luís Roberto Barroso deixará a Corte após seu período como presidente, em 2025. “Manoel Carlos só tem chance se for nessa vaga, por causa do Lewandowski. Zanin pode ter chances daqui a duas ou três vagas”, diz um integrante do Prerrogativas.
No entorno de Zanin, contudo, avalia-se como frágil o histórico de atuação jurídica de Manoel Carlos, que assessorou Lewandowski durante momentos críticos, como o julgamento do mensalão, foi secretário-geral do Supremo e atualmente é diretor jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional. Pondera-se também que, apesar da deferência de Lula com Lewandowski, não se pode “dar a caneta” a ele. “Não é comum o ministro que está saindo indicar seu sucessor”, diz um integrante do STF.
Em toda disputa, existe um azarão — e muitas vezes é ele quem chega ao pedestal máximo. Terceiro nome no atual grupo de favoritos, o baiano Bruno Dantas é o candidato preferido no mundo político, onde ele tem notórias relações com o senador Renan Calheiros, um dos principais aliados de Lula no Congresso. Além de disciplinado e sempre muito antenado, Dantas é o que melhor domina a cena de Brasília, sabendo transitar por diversos grupos e com amplo conhecimento da máquina pública. Ele também é muito bem-visto por nomes como Gilmar Mendes, decano do STF e um forte padrinho em qualquer disputa na Esplanada, mas pesa contra ele um fato curioso: sua competência. Dantas acabou de assumir a presidência do TCU, uma posição estratégica, e vem cumprindo um ótimo papel de acordo com a análise do governo. “Mexer nele seria temerário agora”, diz um ministro palaciano. Com apenas 45 anos, segundo o mesmo auxiliar, ele ainda poderia disputar outras vagas no futuro.
Embora se comente nos bastidores que o Prerrogativas concentrou seu apoio a Manoel Carlos por ser o mais apto a desbancar o “adversário” Zanin, alguns nomes ligados ao grupo também apareceram cotados ao STF, como o advogado Pedro Serrano. Inicialmente “lançado” pela turma, Serrano se integrou há pouco tempo ao escritório do advogado Walfrido Warde, dono de bom trânsito no PT e tido como um dos patrocinadores de sua candidatura. Doador de 700 000 reais aos cofres petistas em 2022, Warde tem trocado chumbo grosso com Zanin em processos nos quais ambos atuam. No caso mais explosivo, Warde trabalha pelo Bradesco no enrosco do banco com a Americanas. Zanin, que passou a representar a Americanas na mesma causa, conseguiu barrar no STF a coleta de e-mails da cúpula da empresa, conseguida pela instituição financeira na Justiça paulista. A equipe de Warde já classificou a argumentação de Zanin como “vil” e “cínica” e teve suas pretensões na ação chamadas de “violações constitucionais” e “medidas midiáticas”.
Datas venias e expressões menos polidas à parte, ficaram pelo caminho ainda os ministros do Superior Tribunal de Justiça. Embora nomes como os de Benedito Gonçalves, corregedor-geral do TSE, e de Luis Felipe Salomão, muito bem relacionado e próximo do “xerife” do STF Alexandre de Moraes, tenham sido cotados, interlocutores de Lula dizem que ele não deve indicar ninguém do tribunal por guardar mágoas do passado com a atuação do STJ na Operação Lava-Jato. A Quinta Turma da Corte, conhecida pelo alinhamento lavajatista, confirmou a condenação do presidente no caso do tríplex, por unanimidade, em 2019. Segundo um interlocutor do presidente, ele ficou “muito decepcionado” com o STJ e decidiu que nomear um de seus 33 membros, além de abrir flancos para descontentamentos dos outros 32, significaria dar sinais positivos à atuação do tribunal naquele período — o que ele não pretende fazer.
Entre os aliados do presidente, é consenso que ele busca um perfil garantista e de “coragem” para a vaga de Lewandowski, para evitar o que considera “erros” em nomeações passadas dos governos petistas. São alvos de críticas Luiz Fux, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, também por suas atuações na Lava-Jato, e Dias Toffoli, este por ter sido o último autor da decisão que impediu Lula, preso, de ir ao enterro de seu irmão Vavá, em 2019. “A decisão que autorizou a prisão de Lula foi tomada com cinco votos de indicados pelo PT”, lembra um ministro da Corte.
A tendência, ao fim, é que o presidente escolha alguém de sua absoluta confiança, o que representa uma vantagem para Zanin. Em meio a esse favoritismo, porém, alguns pontos negativos são ressaltados pelos seus adversários. O primeiro é de imagem para Lula. Escolher seu advogado pessoal, logo na primeira vaga para o STF, traz um evidente desgaste de reputação, algo que não comove o presidente, mas que vem sendo alertado por aliados. Outra questão é a possibilidade de Zanin, se aprovado pelo Senado, ser atingido por suspeições e impedimentos em casos envolvendo seu cliente no Supremo, uma bola de neve que pode atingir proporções incalculáveis. “Quem é nomeado tem o dever irrestrito de cortar o cordão umbilical com quem o nomeou. É dever de ofício e de honra”, diz o ex-ministro do STF Ayres Britto, indicado à Corte por Lula em 2003.
Embora também seja jovem, assim como os outros postulantes à vaga, Zanin tem boa experiência em situações de alta octanagem jurídica. Além da defesa do presidente na Lava-Jato, ele atuou em casos como o da falência da TransBrasil e a venda de ações da petroquímica Quattor a Braskem e Petrobras. Mais recentemente, foi contratado pelo Grupo J&F para propor uma ação de revisão do acordo de leniência da empresa. Os serviços ao conglomerado dos irmãos Joesley e Wesley Batista e a atuação no caso Americanas, a propósito, têm sido bastante usados para tentar desgastá-lo. Recentemente, na busca dos adversários por outros argumentos negativos, ele se queixou a pessoas próximas de os “inimigos” terem buscado o apoio de seu sogro, o advogado Roberto Teixeira, amigo de Lula há décadas e com quem a mulher de Zanin, Valeska, rompeu após uma briga familiar. O casal, que trabalhava no escritório de Teixeira, saiu de lá junto com toda a equipe para abrir a própria banca de advocacia. Se o favoritismo na corrida ao STF for a quantidade de ataques, o advogado de Lula realmente está na liderança.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833