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Witzel: ‘O chefe da quadrilha é o presidente da Assembleia Legislativa’

Governador afastado do Rio dispara contra André Ceciliano, não poupa Bolsonaro e Claudio Castro e se diz cético em relação ao julgamento de seu impeachment

Por Cássio Bruno, Monica Weinberg Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 abr 2021, 12h53

A derradeira sessão do Tribunal Especial Misto do Rio, que baterá o martelo sobre o impeachment do governador afastado Wilson Witzel (PSC), está marcada para a próxima sexta-feira, 30 de abril. Há oito meses, ele segue em compasso de espera, longe da cadeira que ocupava no Palácio Guanabara, período em que foi do otimismo ao ceticismo quanto à sua situação. “O Tribunal Misto é o fantástico mundo de Bobby”, cutuca o órgão que decidirá seu destino, referindo-se ao desenho animado americano no qual o personagem principal vive no mundo da imaginação. Em sua casa no Grajaú, Zona Norte do Rio, Witzel passa horas no escritório, onde uma estátua que representa a Justiça o encara frente a frente, pousada ao lado do computador.  Ali, estuda o processo que o acusa de chefiar a quadrilha que surrupiou milhões dos cofres da Saúde em plena pandemia e acompanha atentamente o noticiário. “Estão julgando um governador sem examinar as provas periciais”, martela em entrevista dada a VEJA ao lado da mulher, a advogada Helena Witzel, também investigada – segundo ele, injustamente. Na conversa, Witzel atira contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), seu ex-aliado, e o presidente da Assembleia Legislativa do Estado, André Ceciliano (PT), a quem aponta como o verdadeiro cabeça da quadrilha e o novo capo – o chefão das máfias italianas – do Rio. “Ele precisa ser investigado”, dispara. Vivendo ainda do salário de governador e dos proventos do escritório da mulher, Witzel, que mora com três dos quatro filhos, mantém os olhos fixos e brilhantes quando se imagina de volta ao poder. “Minha trajetória política está só começando”, diz, e sorri.

O julgamento de seu impeachment pelo Tribunal Especial Misto ocorrerá em 30 de abril. O senhor acredita que voltará ao Palácio Guanabara?

A expectativa é muito ruim. Sei que há vários movimentos nos bastidores contra mim. Está em curso, por exemplo, uma chantagem institucional envolvendo o acordo do Regime de Recuperação Fiscal do Rio, que aguarda a assinatura do Paulo Guedes (ministro da Economia). E ela só vai sair quando eu for cassado, um sinal claro de que o presidente Bolsonaro não me quer como governador. Ele está patrocinando o meu impeachment de forma indireta na linha: dou o dinheiro para o Estado, ok, mas só se o Witzel não estiver lá.

Como pode estar tão certo disso?

Basta juntar as peças. É também muito estranho o vazamento contra um dos cinco desembargadores que vão julgar o meu caso. Ele aparece em uma delação de um empresário de ônibus por recebimento de propina. Acho que informações vieram a público para constrangê-lo, deixá-lo acuado, e assim votar contra mim.

O senhor sugere que o presidente se mexe em várias frentes para atacá-lo. Não estaria exagerando?

Não, ao contrário. Bolsonaro sabe de tudo e usa isso a seu favor de maneira reprovável. Antes do meu afastamento, ele disse, na frente do Palácio do Planalto, onde eu estaria no futuro. Tinha informação privilegiada de que podiam pedir minha prisão. É inaceitável. O presidente vai soltando essas coisas para intimidar os outros e produzir uma barreira de proteção para si mesmo.

Tem mais exemplos?

Veja aquele caso dos cheques do Fabrício Queiroz (ex-assessor de Flávio Bolsonaro investigado no caso da rachadinha) depositados na conta da primeira-dama Michele. O relatório do Coaf falava primeiro em 24 000 reais. Já sabendo que apareceria cifra maior, o presidente de novo se adiantou em público: “Pessoal, na verdade foram 40 000, de um empréstimo.” No final, descobriram mais, 89 000 reais.

A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo afirma que, no esquema criminoso supostamente chefiado pelo senhor na Saúde, o objetivo era angariar 400 millhões de reais via Organizações Sociais, à base de uma propina de 5% em cima de cada contrato. De onde vêm valores tão precisos?

Não tenho ideia. A Lindôra não conseguiu, em nenhuma das ações penais, demonstrar que um único centavo saiu dessas organizações para quem quer que seja.

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Lindôra parece bem munida de informações.

Ela simplesmente aceitou a narrativa plantada na delação de Edmar Santos (ex-secretário estadual de Saúde do Rio). O Edmar é um sociopata que escondeu 18 milhões de reais debaixo do colchão, dinheiro que recebeu, entre outros, de fornecedores do Hospital Universitário Pedro Ernesto, quando era diretor. Lindôra fez foi uma escolha política. Está claramente a serviço de Bolsonaro.

Como assim?

As investigações que a subprocuradora da República toca, assim como seu comportamento, não deixam dúvida de que ela protege o presidente. Ocorre o mesmo com o procurador-geral Augusto Aras.

Além da acusação julgada pelo Tribunal Misto, o senhor é réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que o afastou das funções por corrupção e lavagem de dinheiro. O STJ também está a serviço do presidente?

Os juízes trabalham com as provas que recebem e, infelizmente, neste caso o processo foi desmembrado. Então eles não estão analisando provas de outros réus envolvidos, o que me prejudica. Ficaram só com a palavra do delator Edmar Santos.

O senhor diria que o governador em exercício do Rio, Claudio Castro, é subserviente a Bolsonaro?

Na atual conjuntura, percebe-se que sim. O Cláudio já declarou, inclusive, que o candidato dele em 2022 é o Bolsonaro. Trata-se de um governador enfraquecido, sem base popular nenhuma, que quer agradar ao mesmo tempo o presidente e a Assembleia Legislativa, loteando o governo.

Castro é investigado por ter recebido propina de 100 000 reais e câmeras o flagraram saindo de um encontro com um empresário carregando uma mochila, onde suspeita-se que o dinheiro estaria. O senhor acha que ele se envolveu em algum esquema?

Só posso dizer que nunca fui filmado com mochila nem em reunião não-oficial.

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Uma das acusações contra o senhor é de que beneficiou uma Organização Social chamada Unir, por onde escoaria verbas da Saúde. Procede?

Não. A única pessoa que conversou comigo sobre essa OS foi o Nelson Bornier (ex-prefeito de Nova Iguaçu, morto pela Covid-19). A Unir empregava pessoas do grupo político dele. Nelson reclamou que estava sendo prejudicado porque queriam tirá-la, o que acabou não acontecendo. Havia muitas organizações com problemas piores e decidi então pedir a reavaliação desta, refazendo o processo. Mas não mandei contratá-la. O que ocorre é que o Edmar Santos, então secretário de Saúde, descredenciou a Unir e pôs no lugar outras também investigadas, incluindo a Associação Filantrópica Nova Esperança, ligada a deputados da Alerj.

As investigações apontam que o dono da Unir é o empresário Mario Peixoto, preso por suspeita de envolvimento direto nos desvios. O senhor o conhece?

Estive com ele uma única vez, em uma agenda pública.

Ele não foi um dos financiadores de sua campanha?

Na verdade, não. Aliás, não há nada comprovado contra ele no esquema da Saúde.

Há uma escuta telefônica em que um homem de confiança de Mário Peixoto cita uma negociação entre o empresário e o senhor.

Ao ser ouvido pelo Tribunal Misto, este homem, Luiz Roberto Martins, negou o conteúdo da gravação. Portanto, não há provas dessa negociação.

Houve desvios nos hospitais de campanha?

Até hoje, não comprovaram isso.

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O senhor anunciou que entregaria hospitais que não entregou.

Tinha a obrigação de falar para a população o que estávamos tentando fazer. Era uma previsão, que dependia de vários aspectos. Me acusam por má gestão dos hospitais de campanha, mas as provas foram indeferidas no processo e nem sequer analisadas. É assim que a coisa funciona. Bem-vindo ao fantástico mundo de Bobby do Tribunal Misto do Rio de Janeiro.

O senhor refuta a acusação de ser o chefe da organização criminosa instalada no governo do Rio. Quem é, então?

Quem estava organizando essa ação criminosa na área da Saúde não era eu, mas, na minha visão, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, o André Ceciliano (PT).

No que se baseia para fazer tal afirmação?

O secretário Edmar Santos foi à Alerj sem convite oficial e sem o meu conhecimento. Em depoimento, o Edson Torres (empresário preso sob acusação de envolvimento no esquema) diz que Ceciliano lhe pediu para que ele apresentasse ao Edmar outro empresário, o José Carlos Melo (identificado na investigação como o “homem do dinheiro” da quadrilha, também preso). José Carlos receberia contratos na Saúde e, em troca, garantiu que ajudaria a pagar a mesada de dez ou doze deputados. O Edmar esteve até na casa do José Carlos. Está tudo nos autos do processo.

E isso é suficiente para concluir que André Ceciliano capitaneou os desvios na Saúde?

Alguém orientou o Edmar Santos a fazer aquela delação. Ceciliano precisa ser investigado por tudo o que já apareceu. Por que só eu estou na mira do canhão?

Como um esquema tão vultoso de desvios vigorou dentro do governo sem ser notado pelo senhor?

Imagine o CEO de uma empresa: ele teria como saber detalhes de contratos de publicidade, por exemplo? Sempre fui um juiz  rigoroso e não foi diferente no Palácio Guanabara. O crime organizado da política percebeu que eu não iria fazer o de sempre e me expeliu.

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Mas a corrupção segue lá, não?

Sim. Agora, olhe a situação: você não pode desmantelar estruturas que já funcionam, como o caso das Organizações Sociais da Saúde, de uma hora para a outra. É um processo, que eu iria encarar.

Dizia-se que o senhor se fechava no palácio e não era um governante acessível. Faltou traquejo político?

Havia uma demanda de deputados por mais espaço no governo, eles queriam visibilidade. Eu falei: “Vou arrumar a casa e, a partir de 2021, darei o espaço a vocês do meu jeito.” Aí reclamavam, dizendo que eu não queria repartir o bolo.

O senhor ainda alimenta o sonho presidencial?

O plano agora é voltar a ser eleito governador do Rio quando puder, se for mesmo afastado.

Quem será seu candidato a presidente em 2022?

No Bolsonaro eu não voto. É um desequilibrado que está promovendo a desgraça do país. Queria ganhar a eleição por WO, por não haver um nome forte, mas o Lula retornou das cinzas. Dependendo do projeto do PT, não descarto votar nele.

Ouvindo o senhor falar, nem parece o candidato alçado em 2018 pela dobradinha Bolsowitzel.

Apoiei um projeto que nunca se concretizou. Se eu tivesse parado para pensar nos absurdos que Bolsonaro já havia dito, não votaria nele.

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O senhor chegou a declarar em entrevista a VEJA que cogitava morar no Canadá. Pode acontecer?

Não estou pensando nisso neste momento. Quero ficar. Só temo pela segurança da minha família, caso perca o cargo.

De onde vem esse temor?

Prejudiquei muita gente, no crime organizado e na política. Nunca se sabe o que essa gente mal intencionada pode fazer.

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