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Um vice na expectativa

O general diz que sua função no governo é assegurar a estabilidade, cutuca o filósofo Olavo de Carvalho e confessa que não liga para as redes sociais

Por Ricardo Noblat Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 mar 2019, 07h00 - Publicado em 1 mar 2019, 07h00

Saiu de cena o general que em 2015 chamou a eventual queda da então presidente Dilma Rousseff de “descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. E que, dois anos depois, acusou o governo de Michel Temer de ser “um balcão de negócios”. Em seu lugar, entrou em cena o político de terno bem cortado, autor de declarações que colidem com o que diz e pensa seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro. A Venezuela pega fogo? “É problema dos venezuelanos, não vamos nos meter”, disse ele. Jean Wyllys renunciou ao mandato de deputado pelo PSOL por se sentir ameaçado? “Lamento, pois numa democracia todo mundo tem o direito de defender suas ideias”, decretou. Antonio Hamilton Martins Mourão, de 65 anos, torcedor do Flamengo e jogador de vôlei, está à vontade no cargo de vice-­presidente, e com a corda toda. A seguir, sua entrevista.

O senhor acaba de participar na Colômbia de uma reunião sobre a Venezuela. A crise venezuelana tem jeito? Tem. E passa pela saída de Maduro e sua turma mais próxima. Em seguida, por meio de eleições livres, justas e sob supervisão internacional, os venezuelanos escolherão seu novo presidente. A não ser assim, a crise ainda se arrastará por muito tempo.

O senhor achou desleal o vazamento dos áudios trocados por Gustavo Bebianno e o presidente? Conversas íntimas são íntimas. Se Bebianno queria provar que se comunicara com o presidente, poderia ter escolhido outro diálogo qualquer para divulgar. Aquele sobre a Amazônia, por exemplo, em que o presidente cancela uma viagem à região. E não uma conversa em que o presidente se refere a uma rede de televisão (a Rede Globo).

O presidente não teria sido desleal antes, ao chamar seu ministro de mentiroso em público? No momento da troca de mensagens, o presidente se recuperava de uma cirurgia. Estava sob o efeito de antibióticos fortes. Não era momento para discussões.

Até quando os filhos do presidente se meterão em assuntos do governo? A família do presidente é muito unida por tudo o que enfrentou. Com ele em forma, cada filho entenderá o tamanho da cadeira que tem.

É certo que uma pessoa vá despachar com o presidente e encontre ali um de seus filhos? Se o assunto a ser despachado for sigiloso, acredito que o presidente não permitirá a presença do filho.

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A atuação dos filhos preocupa a ala militar do governo? A grande preocupação que temos é que o governo realize aquilo a que se propôs. Que não se perca num emaranhado de questões menores. Que se concentre no que de fato é relevante.

O senhor já conversou com o presidente sobre a questão dos filhos? Não. Desde que sofreu o atentado, o presidente tinha uma situação de saúde difícil, com risco de vida, e a família se aproximou muito dele. Era a defesa do patriarca. Agora, ao ver que o pai está bem, cada um dos filhos cuidará de suas atividades. Se a partir de agora ocorresse algo distinto, aí seria o caso de eu conversar com ele.

Esgotou-se a crise provocada pelo episódio que envolveu Bebianno e o presidente? Sem dúvida. Acho que há um espírito crítico muito aguçado sobre o nosso governo, principalmente em torno da figura do presidente. Desde o primeiro dia é uma cobrança para que tudo seja resolvido logo, como se tivéssemos uma varinha de condão. Estão aí o projeto da nova Previdência, o do combate ao crime e à corrupção. Acho natural a pressão sobre o governo, mas o episódio Bebianno acabou.

A cobrança não acontece com todos os governos? Acompanho o trabalho dos analistas. Mas o que disseram sobre a eleição do presidente do Senado? Que se Renan Calheiros fosse eleito seria ruim para o governo. Ele perdeu. O que passaram a dizer? Que a derrota dele seria ruim para o governo. Nossos analistas ainda estão querendo entender o que se passa. Por exemplo: a história de ala militar do governo. Não tem, não tem grupo militar.

Não tem? Existem militares que foram selecionados pelo presidente. Eu me coloco fora disso. Fui eleito junto com ele. Nada tenho a ver com o pacote grupo militar. O general Augusto Heleno também não, porque ocupa cargo destinado a militar. Você sempre poderá dizer que o general Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, ocupa um cargo que na maioria das vezes pertenceu a um civil. Mas ali ele não é um estranho no ninho. Parece até que os militares se reúnem todo dia e se perguntam: “E aí, o que vamos fazer agora?”. Não existe isso.

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O presidente consulta os militares antes de tomar uma decisão? Não, não. A imprensa está criando uma tutela que não existe.

“Agora, ao ver que o pai está bem, cada um dos filhos cuidará de suas atividades. Se a partir de agora ocorresse algo distinto, aí seria o caso de eu conversar com ele”

Nos três últimos governos do período militar havia, em cada um deles, sete ministros militares em cargos tradicionalmente destinados a civis. Agora, são oito. O presidente é oriundo do meio militar. A relação com seus auxiliares mais próximos é de confiança. Tenho confiança em fulano, vou botar o fulano. O que acontecia antes? Você pegava o ministério A e o entregava ao partido B. E seguia o baile. Era assim que funcionávamos.

O general Eduardo Villas Bôas disse que é preciso separar o Exército do governo. Concordo com ele. O Exército continua a cumprir sua missão constitucional.

Para quem está de fora é difícil achar que governo e Exército seguem separados. Tem de ser visto assim, cada um do seu lado.

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Se o governo der errado, o fracasso poderá respingar nas Forças Armadas? Risco há, mas as Forças Armadas sempre serão uma instituição permanente. Devido a erros recentes, criou-se a mentalidade de que a correção de rumos só se daria por meio de um grupo militar. Ela ocorrerá, sim, pela ação dos brasileiros de bem.

O senhor recebe com frequência pessoas das quais o presidente prefere manter distância. Qual é a ideia? O presidente, assim como eu, tem uma visão clara: fomos eleitos para governar para o país todo. Hoje eu me vejo como uma pessoa que pode receber muita gente, estabelecendo assim um diálogo. O presidente é mais ocupado, tem de tomar decisões o tempo todo.

Isso cria ruído entre o senhor e o presidente? Não. Eu recebo as pessoas, suas demandas, e as que considero justas encaminho aos ministérios competentes, ou então vou conversar com o presidente a respeito.

Por que o presidente se mantém afastado da mídia ou de parte dela? Parte da mídia nunca foi condescendente com o presidente. Tratou-o até com certo sarcasmo, como uma figura folclórica. Ele não é isso. Sempre foi um homem de ideias, quer você concorde ou não com elas. Ele ainda está magoado. Só o tempo poderá resolver.

O senhor não tem mágoa? Nunca sofri as críticas que ele sofreu. Às vezes falam, basta olhar as redes sociais. Mas não dou bola para isso.

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Trump e Bolsonaro dão, não? Esse ainda é um caminho que está sendo descoberto. As redes sociais viraram o que era o sonho da esquerda: a democracia direta.

Até que a esquerda perdeu a hegemonia nas redes. Na verdade, ela não tinha hegemonia nas redes. Tinha na grande imprensa, por questões que não seria o caso de discutirmos aqui. As redes sociais permitem que todos escrevam o que bem entendem. Não sou fã delas. Estou no Twitter, porque é aquela história: se você não pode com ele, una-se a ele. Tenho um assessor que se encarrega de postar. Mas tudo o que sai ali é sob minha supervisão. Às vezes, respondo a comentários.

O senhor exclui comentários incômodos? Não, deixo lá. Não estou preocupado com essas coisas.

Nem com os comentários do filósofo Olavo de Carvalho? Olavo nunca se sentou para conversar comigo. Nunca li livro dele, mas li artigos em jornais. Em determinado momento no Brasil, ele era o único cara que tinha um pensamento de direita.

O senhor gostava do que lia? De algumas coisas, sim. Outras, eu achava que ele estava muito além do jardim…

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Olavo de Carvalho emplacou dois ministros no governo e faz a cabeça dos filhos do presidente e até a dele mesmo. O senhor não o subestima? Não é questão de subestimar. Olavo arrumou aí, em linguagem militar, uma via de acesso por onde progride, conquista adeptos, os filhos do presidente gostam dele… É uma questão de gosto.

O senhor e o presidente conversam muito? Durante a campanha, ele passou boa parte do tempo no hospital ou em recuperação. Depois da posse, viajou e novamente se hospitalizou. Trocamos mensagens pelo celular. Não gosto de perturbá-lo. Prefiro manter uma posição mais recuada, e, quando ele precisa ou eu acho que devo ir lá, vou. Várias vezes, sozinhos, já tivemos longas conversas.

O presidente não poderia aproveitar melhor o senhor? Na primeira reunião depois da nossa vitória, ele perguntou se eu não queria um ministério. Não quis. Até para que ele pudesse compor o governo de maneira mais ampla. A figura do vice existe para assegurar a estabilidade. À medida que for necessário, o presidente poderá me delegar missões. Estou naquilo que em linguagem militar se chama “dispositivo de expectativa”.

“Parte da mídia nunca foi condescendente com o presidente. Tratou-o até com certo sarcasmo, como uma figura folclórica. Ele não é isso. Ele ainda está magoado”

O senhor gostou de trocar a farda pelo terno de político? Meu tempo de farda havia se esgotado. Foram 51 anos usando uniforme.

Quando terminar o mandato, pretende continuar na política? Vamos ver o que acontecerá daqui para a frente. Se o presidente prosseguir…

E se não? Se ele não prosseguir, acho que terminarei por aqui. A renovação é importante.

A democracia brasileira está forte ou inspira cuidados? Forte. A democracia liberal enfrentou e venceu a crise dos impérios na I Guerra, o nazifascismo na II Guerra, o comunismo, e agora vive a crise da sociedade de consumo, da comunicação ampla, da queda de todas as fronteiras. A nossa, em particular, tem dado mostras de sua força. Veja o que enfrentamos nos últimos tempos. E todas as crises foram resolvidas dentro dos limites do nosso sistema.

E assim continuará? É claro. Sou crítico de várias coisas. Do nosso sistema político. Do partidário, que é uma zorra. Deveríamos ter partidos políticos que representassem as várias correntes de pensamento, e aí estaríamos até mais fortes.

O PT fez boas coisas pelo Brasil? Vamos colocar assim… A parcela boa do PT tem o pensamento voltado para a solução dos problemas sociais, apesar de eu não concordar com ela em tudo. Você não tem de dar esmola, mas capacitar as pessoas oferecendo-lhes saúde, educação de qualidade. Não adianta querer fazer tudo por decreto, achar que todos serão felizes, porque os seres humanos são diferentes. Assistencialismo apenas não resolve.

 

Publicado em VEJA de 6 de março de 2019, edição nº 2624

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