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Tsunami à direita

A vassourada sem precedentes nos políticos tradicionais e nos investigados da Lava-Jato cristalizou a tendência conservadora que já se revelava em 2016

Por Daniel Pereira Atualizado em 12 out 2018, 07h00 - Publicado em 12 out 2018, 07h00

Foi o mais duro golpe na política tradicional desde a redemocratização. Ao surfarem a onda bolsonarista no domingo 7, os eleitores puniram as maiores legendas do país, reduzindo suas bancadas, e acabaram com a polarização entre PT e PSDB, que dominava o cenário nacional havia décadas. Também mandaram para casa caciques regionais, próceres da República e até clãs inteiros, como o do ex-presidente José Sarney. Na Câmara, a renovação foi de mais de 50%, a maior desde 1998. No Senado, dos 32 parlamentares que tentaram a reeleição só oito saíram vitoriosos. O rearranjo de cadeiras resultou no fortalecimento da direita radical e do conservadorismo. Houve ainda aumento no número de partidos com representação no Poder Legislativo, o que deve levar o presidente eleito, seja ele quem for, a enfrentar negociações mais custo­sas com o Congresso. A regra é clara: quanto mais atores na mesa de negociação, maior a dificuldade de chegar a um consenso.

(Arte/VEJA)

O principal beneficiário da renovação da Câmara foi o PSL, o nono partido na carreira de Jair Bolsonaro, ao qual ele se filiou em março deste ano. O PSL, que elegeu um deputado em 2014, passará a ter 52 em 2019. Será a segunda maior bancada da Casa, atrás apenas da do PT, que, apesar de tudo, elegeu 56 representantes. Petistas, tucanos e emedebistas perderam cadeiras , abrindo espaço para outras siglas no Congresso. A partir de 2019, a Câmara terá trinta partidos em atuação, contra os atuais 25. No Senado, serão 21, ante os dezessete de hoje. Entre perdas e ganhos nas urnas, as bancadas conservadoras — a evangélica, a da bala e a dos ruralistas — saíram no lucro. Consultorias estimam que a direita, embalada pela onda bolsonarista, terá cerca de 320 dos 513 deputados e 65 dos 81 senadores. Um senhor plantel, já que a aprovação de mudanças na Constituição requer os votos favoráveis de 308 deputados e 54 senadores. “Acompanho o Congresso há 35 anos, desde a Constituinte. Nunca houve uma renovação com base num clima tão emocional e com uma pauta tão conservadora”, diz Antônio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

(Arte/VEJA)

Cientes de sua força, os conservadores querem aprovar mudanças no Estatuto do Desarmamento, a fim de facilitar o porte de armas no país, e a redução da maioridade penal. Outras metas são derrubar barreiras legais ao uso de agrotóxicos e impedir a flexibilização da lei do aborto. A tríade BBB — boi, bala e Bíblia — está pronta para uma atuação conjunta. “Eles vêm com um impulso muito forte e muito convencidos da pauta que foi a razão para se elegerem. Não entendem a complexidade do processo legislativo e podem tomar mais decisões impensadas, recorrendo menos às articulações políticas e à ideia de compor um consenso”, afirma Queiroz. Em tese, o triunfo da direita e do conservadorismo nas eleições legislativas pode facilitar a vida de Bolsonaro caso ele vença o segundo turno. A afinidade entre o chefe do Executivo e sua base parlamentar pavimentaria o caminho para a aprovação de pautas comuns — econômicas e comportamentais. Na prática, no entanto, até o chamado Centrão, notório por seu governismo atávico, tem dúvidas sobre o desempenho de Bolsonaro no campo da governabilidade. Não é à toa.

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Com ascensão meteórica impulsionada por um discurso contra os partidos e especialmente o PT, Bolsonaro não é versado na arte da negociação. No início da campanha, não conseguiu agregar legendas de médio porte à sua coligação. Fracassada essa tentativa, um de seus filhos chegou a zombar dos integrantes do Centrão, dizendo que era melhor marchar sozinho do que correr o risco de ir parar na cadeia. “A operação da governabilidade tende a ser muito baixa. O que pode melhorá-la é se Bolsonaro obtiver uma votação expressiva no segundo turno, como a de Lula em 2006, que foi de 61%”, diz o cientista político Antonio Lavareda. “Uma maioria desse tamanho dá uma autoridade adicional ao Executivo perante o Congresso, ao menos na largada, quando é o momento de realizar as reformas”, acrescenta. No caso de Fernando Haddad, a tarefa de formar maioria no Congresso tende a ser hercúlea, já que seu campo político encolheu. Somadas, as legendas de esquerda e centro-esquerda elegeram menos de 150 deputados. Ou seja: se eleito, Haddad terá de recorrer à oposição — inclusive àquele pedaço que não tem nada de ideológico e tem tudo de fisiológico. Foi para atraí-lo que nasceram o mensalão e o petrolão, os piores exemplos do presidencialismo de coalizão tropical.

O PT continua vivo na eleição presidencial e conquistou a maior bancada da Câmara graças ao Nordeste, a única região em que Bolsonaro não venceu no primeiro turno. Os petistas, que já haviam sido derrotados nas eleições municipais de 2016, perderam cadeiras nas duas Casas do Congresso. Seus candidatos de destaque fracassaram nas urnas. A ex-presidente Dilma Rous­seff amargou um quarto lugar na eleição para o Senado em Minas, em mais um atestado público de que ela prega a convertidos quando diz ter sido vítima de um golpe. Eduardo Suplicy também perdeu a corrida para o Senado em São Paulo, depois de largar como franco favorito. Rivais do PT nas últimas décadas, os tucanos não tiveram melhor sorte: registraram o pior desempenho em sucessões presidenciais e viram minguar suas bancadas (veja a reportagem na pág. 58). O Fla-Flu entre as duas legendas, que parecia insuperável, foi pulverizado. A diferença é que o PT continua líder no campo da esquerda, enquanto o PSDB perdeu o protagonismo na direita, agora nas mãos de radicais. “Este Parlamento é marcadamente novo. Sua principal característica é que houve uma troca de guarda à direita. O núcleo desse comando à direita deve ficar com o PSL, que provavelmente crescerá ainda mais nos próximos meses. A médio prazo, o PSL tende a ser o maior partido do Congresso”, diz Lavareda.

(Arte/VEJA)

O MDB de Michel Temer, que já elegeu mais de 100 deputados nos tempos áureos, também foi castigado nas urnas. Da lista de derrotados fazem parte os senadores Eunício Oliveira, o atual presidente do Congresso, Edison Lobão, Valdir Raupp e até mesmo Romero Jucá, o “líder de todos os governos”, baluarte do grande acordo nacional, “com o Supremo, com tudo”, destinado a deter a Lava-­Jato. A mais notória operação de combate à corrupção da história do país teve influência inegável na eleição. Além de contribuir para a derrota de parlamentares influentes, forçou políticos poderosos a disputar cargos menos relevantes a fim de manter o direito ao foro privilegiado. Foi o que fizeram, com sucesso, os atuais senadores Gleisi Hoffmann, presidente do PT, e Aécio Neves, ex-presidente do PSDB. Investigados no Supremo, eles darão expediente na Câmara a partir de 2019. Aécio, que obteve 51 milhões de votos na campanha presidencial de 2014, conquistou a vaga de deputado com pouco mais de 106 000 votos.

A saída de cena ou o rebaixamento de veteranos abriu espaço para que novatos sonhem alto. Eleito deputado federal com a quarta maior votação em São Paulo, Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre (MBL), anunciou a disposição de disputar a presidência da Câmara. O curioso é que o atual comandante da Casa, Rodrigo Maia, é do mesmo partido de Kataguiri, o DEM, e trabalha desde sempre para ser reeleito ao cargo. “Regimentalmente, não preciso da autorização de ninguém. Meu partido é o MBL, e nele eu tenho consenso”, disse Kataguiri em entrevista. Antiguidade já não é posto na Câmara. No Senado, a situação é semelhante. Um dos sobreviventes do MDB, Renan Calheiros, devidamente reeleito, quer comandar a Casa a partir do próximo ano. Resta saber se a direita permitirá. Entre os expoentes desse grupo, destacam-se dois quadros do PSL, Major Olímpio, eleito senador por São Paulo, e Flávio Bolsonaro, que representará o Rio. Amparados pelos resultados colhidos nas urnas, ambos se sentem desobrigados de respeitar a fila tradicionalmente imposta por líderes e dirigentes partidários. “A política brasileira está sendo definida por homens e símbolos. Não são teses, não são pensamentos aprofundados”, diz, em tom de lamento, o veterano Miro Teixeira, que cumpre seu 11º mandato como deputado federal e perdeu a disputa para o Senado.

Quando o avanço da Lava-Jato já parecia irrefreável, o ex-presidente Lula disse que o objetivo da operação era criminalizar a atividade político-­partidária e exortou caciques do PT e do então PMDB a detê-la, sob pena de serem atropelados pela investigação. Foram muitas as tentativas de reação, inclusive com o apoio do PSDB e do Centrão. Em ofensivas suprapartidárias, eles tentaram aprovar uma anistia ao caixa dois, um projeto para manietar a ação de procuradores e juízes, e restrições a delações premiadas. Essas medidas encerravam o temor dos políticos de serem atingidos em cheio pela Justiça. Mal sabiam eles que, de forma silenciosa, os eleitores também lhes preparavam um tsunami de punições nas urnas.

Com reportagem de Marcela Mattos

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Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604

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