De Fernando Haddad a Tarcísio de Freitas, não há político que, por conveniência ou cautela, não peça hoje as bênçãos do Tribunal de Contas da União para tentar evitar uma futura dor de cabeça. Recentemente, o ministro da Fazenda enviou explicações espontâneas sobre as previsões de receitas que garantiriam o cumprimento da meta de déficit zero neste ano, enquanto o governador de São Paulo pediu subsídios técnicos para uma intervenção na companhia que fornece luz aos paulistanos. Mas nem sempre foi assim. Como órgão de assessoramento do Congresso, o TCU se limitava a analisar (burocraticamente) as prestações de contas do governo e questões comezinhas envolvendo prefeitos do interior. A mudança de patamar começou após a Corte fornecer, em 2016, os argumentos que resultaram no impeachment de Dilma Rousseff. Depois disso, as prerrogativas foram se alargando. O tribunal passou a arbitrar parâmetros para concessões de infraestrutura, a atuar como braço fiscalizador de obras, a inspecionar compras e a acompanhar o andamento de programas federais — o que conferiu aos seus nove ministros poder e protagonismo excepcionais. Por isso, a notícia de que uma vaga inesperada no TCU poderá surgir em breve tem movimentado a classe política.
+ AMARELAS ON AIR: Assista à entrevista com Bruno Dantas
Em janeiro do ano que vem, Vital do Rêgo vai assumir a presidência do tribunal. Bruno Dantas, o ministro que deixará o posto, já anunciou que pretende passar uma temporada no exterior como pesquisador em uma universidade americana. A ideia, a princípio, é continuar participando virtualmente dos julgamentos e retornar ao Brasil no segundo semestre de 2025. Há rumores, porém, de que ele também considera a possibilidade de antecipar sua aposentadoria e migrar para o setor privado.
Dantas imprimiu um estilo próprio ao tribunal nos últimos dois anos. Ex-consultor do Senado, ele é considerado como o mais político de todos os seus colegas. Seu gabinete é um ponto de peregrinação de prefeitos, parlamentares e ministros de Estado. Em seu apartamento, costuma receber para jantar empresários, juízes do Supremo Tribunal Federal e até o presidente da República — rotina natural no dia a dia de qualquer representante de uma instituição em Brasília.
No caso de Bruno Dantas, porém, é mais que isso. É uma estratégia de trabalho. “Aprendi o valor que tem quem faz a mediação entre a técnica e a política. Recebo todos os dias romarias de políticos que estão com suas contas sob julgamento do TCU, e o meu raciocínio é sempre o mesmo: há algo dentro da lei e do meu senso de justiça que possa ser feito para ajudar essa pessoa?”, explica ele a VEJA. Em dez anos como ministro, Dantas expandiu as áreas de atuação da Corte e comprou briga com diferentes espectros partidários, especialmente os setores mais próximos ao governo Bolsonaro. Às vésperas da eleição presidencial, por exemplo, ele se articulou com o ministro Alexandre de Moraes para reagir ao discurso do ex-presidente de que as urnas eletrônicas eram passíveis de fraude. Na época, o tribunal se prontificou a auditar o sistema de votação e passou a acompanhar os testes de integridade. Foi uma forma bem-sucedida de desidratar o discurso dos bolsonaristas que colocavam em dúvida a segurança do processo.
Antes disso, o tribunal já havia fustigado o governo durante a pandemia, infernizou até onde pôde o hoje senador Sergio Moro por causa da Operação Lava-Jato e defendeu em público, já no governo Lula, a desvinculação de benefícios previdenciários do aumento do salário mínimo, proposta que coincide com o que prega a atual equipe econômica, mas contraria o discurso do PT. O trânsito com os principais expoentes do Congresso e o amplo arco de amizades que cultivou ao longo do tempo levaram o ministro a ser listado entre os favoritos à última vaga no Supremo Tribunal Federal, que acabou ocupada por Flávio Dino. É um currículo invejável e extremamente valorizado pela iniciativa privada. Procurado, Bruno Dantas refutou as especulações sobre sua saída. Aos 46 anos, ele lembra que pode ficar no cargo até 2053. “Não me passa pela cabeça sair do TCU, casa à qual me afeiçoei profundamente, onde fiz muitos amigos e modestamente ajudei a construir um novo perfil, mais didático e resolutivo e menos policialesco e punitivista”, garantiu. Pelo sim e pelo não, a cobiça tem falado mais alto. De olho nessa vistosa fonte de poder, mesmo que, por enquanto, ela não passe de miragem, os políticos já elaboram listas com nomes de candidatos ao posto.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920