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Rogério Marinho é acusado pelo MP de peculato e enriquecimento ilícito

A ascensão do ministro do Desenvolvimento Regional, um dos mais influentes auxiliares de Bolsonaro, pode ser ameaçada por fantasmas do passado

Por Hugo Marques e Nonato Viegas, de Natal
Atualizado em 4 set 2020, 10h11 - Publicado em 4 set 2020, 06h00

Político habilidoso e ponderado, Rogério Marinho vive uma espécie de redenção pelas mãos de Jair Bolsonaro. Depois de fracassar em 2018 na tentativa de renovar o seu mandato para a Câmara dos Deputados, ele foi convidado pelo presidente para assumir a Secretaria Especial de Previdência Social e do Trabalho, subordinada ao Ministério da Economia. Sua missão inicial foi trabalhar pela reforma previdenciária, aprovada ainda em 2019. A atuação de destaque numa pauta prioritária lhe garantiu prestígio e, posteriormente, uma promoção para o cargo de ministro do Desenvolvimento Regional. No comando da pasta, Marinho ganhou status de articulador político, conselheiro do presidente e até artífice de algumas propostas ousadas na área econômica. Foi dele a sugestão para que o governo, mesmo diante do rombo das contas públicas, liberasse mais recursos para investimentos — estratégia controversa que ajudou a reaquecer a economia, impulsionou a popularidade de Bolsonaro e, de quebra, também as campanhas de políticos aliados. Histórias e personagens do passado, porém, podem atrapalhar a ascensão meteórica do ministro.

ANGÉLICA GOMES MAIA, 41 anos, médica – (./.)

No mês passado, um oficial de Justiça foi ao Ministério do Desenvolvimento Regional e intimou Rogério Marinho a prestar depoimento no dia 6 de novembro. O ministro é réu em uma ação civil de improbidade ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, em 2014, na qual é acusado de enriquecimento ilícito, danos ao erário e violação aos princípios administrativos. Paralelamente, responde a um processo pela prática de 21 casos de crime de peculato. O motivo das duas ações é o mesmo: Marinho é acusado de, enquanto presidente da Câmara Municipal de Natal, entre 2005 e 2007, autorizar a contratação de funcionários-fantasma para que vereadores, inclusive ele próprio, embolsassem os recursos. Esse tipo de fraude, quando comprovada, é um clássico dos manuais de picaretagem, uma variante mais audaciosa da famosa rachadinha, mas com o mesmo propósito: desviar dinheiro público.

DANIEL SENRA FERREIRA DA SILVA, 35 anos, advogado – (./.)

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Os investigadores do Rio Grande do Norte dizem ter descoberto um grupo de 35 servidores contratados pela Câmara de Vereadores que não aparecia para trabalhar, mas recebia religiosamente os salários — quase sempre um conluio entre o político e o funcionário, que, no fim, partilhavam os lucros. Haveria ainda um subgrupo mais audacioso, composto de gente que nem sabia que seu nome estava sendo usado. Eram os superfantasmas. De acordo com o Ministério Público, sete desses espécimes foram criados exclusivamente para atender aos interesses financeiros do então vereador Rogério Marinho. VEJA teve acesso à integra do processo. Parte dele tramita em segredo de Justiça. Os depoimentos dos fantasmas e dos superfantasmas são contundentes. Oficialmente, a médica Angélica Gomes Maia foi funcionária da Câmara de Vereadores entre outubro de 2005 e julho de 2007. Ouvida pela Polícia Federal, ela disse que nunca pisou lá. No período em que constava como servidora, Angélica dava expediente numa clínica particular que funcionava na casa do próprio Marinho, conforme comprovaram diligências realizadas pela Polícia Federal em 2018. A clínica fazia atendimento médico a eleitores do ministro. Ou seja: o esquema teria usado recursos públicos para financiar sua atividade política. A VEJA, a médica reafirmou os termos de seu depoimento e revelou que advogados do hoje ministro tentaram convencê-la a mentir às autoridades. “Pode reproduzir, porque esta é a verdade: eu não era servidora da Câmara e não sabia que Rogério Marinho pagava o meu salário com dinheiro público. Eu só quero distância desse homem.”

CLÁUDIA CARNEIRO SILVEIRA DA SILVA, 49 anos, comerciária – (Ney Douglas/.)

Também nomeada por Marinho e em tese servidora pública entre 2006 e 2007, a vendedora Cláudia Carneiro da Silva contou que, durante esse período, trabalhou numa livraria num shopping de Natal e “nunca recebeu qualquer gratificação paga pela Câmara de Vereadores”. Declarou ainda não saber como o seu nome foi parar na folha de pagamentos. “Minha vida virou de pernas para o ar, porque uma coisa dessas nos causa transtorno. É revoltante o que fazem com o nome da gente e com o dinheiro público. Eu só quero ter paz e torcer para que a justiça seja feita”, disse ela a VEJA. Outro listado como fantasma é o advogado Daniel Senra. Ele foi contratado por Marinho, mas trabalhava de fato numa entidade privada, a Federação das Câmara Municipais, que na época era comandada pelo atual ministro. Seu caso, como o da médica Angélica, entraria em outra categoria: o uso de verba pública para fins particulares. “Eu prestava consultoria às câmaras municipais do estado do Rio Grande do Norte e só fui descobrir que meu nome constava na folha de pagamento da Câmara quando fui contratado por uma empresa. Eu não era funcionário da Câmara, não era servidor público”, declarou Senra a VEJA. “Infelizmente, a Justiça em casos como esse, de desvio de dinheiro público, é muito lenta e quase faz valer a pena fazer o errado. A Justiça deveria punir com mais rapidez para que o dinheiro público não falte a quem precisa.”

ANDREIA DOS SANTOS SIMÕES, 40 anos, vendedora – (./.)
(./.)

Da lista de fantasmas elaborada pelo MP ainda consta, entre outros, a vendedora Andreia dos Santos Simões, que mora no Rio de Janeiro. Nomeada como assessora do vereador Rogério Marinho, ela só descobriu que era funcionária da Câmara de Natal quando a polícia bateu em sua porta. “Nunca passei perto desse lugar, nunca recebi um centavo e nem sei quem é esse Rogério”, disse a VEJA. Com pequenas variações, as histórias têm o mesmo pano de fundo. O professor Lenilson Lima também disse que recebia “uma bolsa de estudos ou ajuda de custo da Câmara de Vereadores” e que quem lhe concedeu esse benefício “foi o presidente da Casa, vereador Rogério Marinho”, mas que ele nunca prestou nenhum tipo de serviço à Câmara e não sabia que era funcionário contratado. Os promotores que impetraram a denúncia contra o ministro concluíram o seguinte: “Evidente, mais uma vez, a utilização da estrutura de pessoal da Câmara de Vereadores para a prestação de favores políticos, por puro proselitismo e arregimentação de eleitorado, numa clara disposição da coisa pública como se fosse particular”.

LENILSON DA COSTA LIMA, 54 anos, professor – (./.)

O MP chegou a conseguir na Justiça o bloqueio das contas do atual ministro para ressarcir 200 000 reais ao erário, a soma dos salários pagos aos sete fantasmas. Marinho recorreu e obteve a suspensão parcial da medida, livrando do bloqueio os valores depositados a título de salário. A denúncia transitou por diferentes instâncias ao sabor das regras sobre foro privilegiado. Saiu da Justiça do Rio Grande do Norte, subiu para o Supremo Tribunal Federal (STF) e voltou ao ponto de origem. Procurado por VEJA, Rogério Marinho, que hoje comanda um orçamento de 33 bilhões de reais, infelizmente não quis comentar o caso. Seu advogado, André Castro, negou todas as acusações. “O ministro vai ter a oportunidade de explicar tudo nessa fase de instrução do processo”, disse. Tomara que sim. Afinal, esses espectros rondam Marinho há mais de quinze anos. Trata-se de uma sombra desnecessária que um dos auxiliares mais importantes do presidente da República não pode ter sobre sua cabeça.

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Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703

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