Preocupado com o avanço das investigações dos esquemas de corrupção no Palácio Guanabara e com suas chances de sobreviver em um cargo ao qual chegou sem vínculos políticos sólidos, o governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), tem chamado a atenção por consultar poderosos antes de decidir sobre todo e qualquer assunto e pela generosidade com que se dispõe a distribuir nomeações. Há um mês e meio no lugar de Wilson Witzel (PSC), afastado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por suspeita de chefiar uma quadrilha de desvio de dinheiro público, Castro não mede esforços para agradar ao clã Bolsonaro em peso, a figuras do Judiciário, do Ministério Público, da bancada da Assembleia Legislativa (Alerj) — até com presos em operações recentes ele está negociando.
Advogado e cantor gospel católico de 41 anos e nenhuma expressão política, Castro comunica-se quase diariamente com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), a quem conhece de longa data e que se tornou a ponte entre o governador em exercício e Jair Bolsonaro — este, em guerra declarada com Witzel. Há pouco mais de uma semana, o primogênito do presidente limou sumariamente um agrado ao deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), aquele que quebrou uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco. Amorim, o deputado mais votado do Rio, era bolsonarista e caiu em desgraça por tomar o lado de Witzel no embate com o clã. Castro pensava em fazer dele secretário do Turismo. Animado, Amorim publicou em rede social uma foto sua com o “querido amigo” Marcelo Álvaro Antônio, ministro da pasta em Brasília, sugerindo uma parceria. Segundo pessoas próximas, Flávio Bolsonaro ligou na hora: “Cláudio, não é verdade essa história de que Amorim será secretário, né?”. Mais que depressa ele respondeu: “Não, claro que não”. E o projeto foi por água abaixo. “O governador já entendeu que não tem peso político para governar sozinho”, diz um membro de sua equipe.
A investida no meio jurídico, por sua vez, começou com manobras convolutas: o comando da Casa Civil foi entregue ao advogado Nicola Miccione, que tem um cunhado casado com a filha de Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). “O ministro vai ficar feliz com a sua escolha”, sopraram no ouvido de Castro, embora não haja qualquer indício de que Fux sequer soubesse da intenção. Em outro movimento, o comando da possível futura secretaria estadual de Justiça, que vai ser criada para aplainar tratativas com o meio, deve ir para o advogado e ex-deputado federal Sergio Zveiter, de grande influência no Judiciário. Já a pasta da Saúde, epicentro do escândalo que afastou Witzel, foi parar nas mãos de Carlos Alberto Chaves — coincidência ou não, integrante durante dez anos do Grupo de Apoio Técnico do Ministério Público estadual para questões sanitárias.
Chaves também contou com dois padrinhos poderosos, o deputado federal Dr. Luizinho (PP) e o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT). Estreitar relações com os parlamentares estaduais é ponto de honra para Castro, que viu o processo de impeachment de Witzel ser aprovado na Casa por um contundente 69 a 0. Além do vetado Amorim, três deputados foram sondados para secretarias estaduais. Dois sinalizaram que vão declinar: Jair Bittencourt (PP), chamado para a Agricultura, e Bruno Dauaire (PSC), para o Desenvolvimento Social. Thiago Pampolha (PDT) aceitou a chefia do Meio Ambiente. “Todo mundo sabe que tem parlamentares na jugular de Castro atrás de cargos”, conta um deputado.
Um pesadelo do novo governador é ter o nome envolvido de vez em esquemas de propina. Ele foi alvo de um mandado de busca e apreensão pelo STJ no mesmo dia em que o chefe foi afastado, depois de ter sido acusado por um dos delatores da Operação Catarata de ganhos ilícitos na Fundação Leão XIII, órgão do governo estadual — o que nega. Castro aparece em outras duas delações premiadas, a do empresário Marcus Vinícius da Silva e a do ex-secretário de Saúde Edmar Santos, e teme o que podem falar dele figurões presos, como o pastor Everaldo Dias Pereira, chefe de seu partido, Mário Peixoto, maior fornecedor de mão de obra para o governo, e o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico Lucas Tristão. Sabe-se que os três o pressionam, via intermediários, para nomear aliados. No cabide de Castro, o generoso, sempre cabe mais um.
Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708
A defesa do empresário Mário Peixoto diz:
“O empresário não é um dos maiores fornecedores do Estado do Rio de Janeiro, o que pode ser comprovado no Portal Transparência de compras do estado. Mário Peixoto nunca foi dono da Organização Social (OS) IABAS e deixou o quadro societário da empresa Atrio em 2014. Seus familiares também se retiraram da empresa em 2020. Com relação a indicar pessoas para a gestão do governador interino do Rio, esta informação também não procede. Ele nunca indicou nomes para Cláudio Castro nem para o governo de Wilson Witzel.”