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Rescaldos

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 31 Maio 2019, 07h00 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00

O presidente Bolsonaro passou no teste da Avenida Paulista vista de cima. Talvez não houvesse tanta gente quanto na manifestação dos estudantes, mas havia o suficiente para reafirmar o bolsonarismo como força de rua. E eis-nos conduzidos, de manifestação a manifestação, ao vestíbulo do modo venezuelano de fazer política. Bolsonaro até cogitou de comparecer a um dos eventos, o que o enquadraria como perfeita réplica, pela direita, ao modelo consagrado por Maduro pela esquerda. Arrependeu-se a tempo. As bandeiras empunhadas pelos manifestantes, nas diversas cidades, traíam equívocos e contradições na superfície e um segredo mal escondido nas profundezas. O segredo é o desejo, acalentado pela franja lunática do bolsonarismo, de virar a mesa.

O ministro Paulo Guedes ficou animado. “Nunca vimos isso antes, o povo apoiando a reforma da Previdência”, disse. Alguns objetariam à qualificação de “povo” para o segmento visto nas ruas, de extração diferente da do Brasil trigueiro e inzoneiro, mas, vá lá, o ministro tem razão — deu-se o inimaginável de gente abalar-se a gritar por uma reforma carimbada na folha de rosto como impopular. Resta que, se os manifestantes eram a favor da reforma, por que escolheram como alvo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, amaldiçoado em todas as praças e premiado, em Copacabana, com um pixuleco? Maia é, entre os políticos, o mais insistente e articulado defensor da reforma da Previdência. Quem é contra é Bolsonaro, cujo último torpedo, no afã de inviabilizá-la, foi a revelação, com um sorriso alvar, como se descobrisse a pólvora, de um plano de cobrar taxas para atualizar o valor dos imóveis e com isso arrecadar o trilhão de reais sonhado por Guedes com a reforma.

A franja lunática passou os últimos dias em silêncio. Seu mentor, o bruxo Olavo de Carvalho, disse que não mais se manifestaria sobre a política brasileira. Os filhos do presidente se contiveram. Os ministros da Educação e das Relações Exteriores nos pouparam das intervenções, belicosas ou cômicas, que os distinguem. Pode ser um recuo, pode ser uma retirada tática. Bolsonaro postou, às vésperas das manifestações, texto que denunciava as instituições como empecilhos a suas sãs intenções e um vídeo em que um pastor congolês o aclamava como escolhido de Deus. Depois das manifestações, amigável, convocou os chefes dos demais poderes a um café da manhã no Alvorada e lhes propôs um “pacto pelo Brasil”. Tudo somado, estamos diante de um festival de despistes, de acobertamentos de secretas intenções, das calmarias que antecedem as tempestades — ou da barafunda característica de uma Presidência sem rumo?

Estamos diante de um festival de despistes ou da barafunda de uma Presidência sem rumo?

A luta contra a corrupção expressou-se, nas manifestações, pelo protesto contra a retirada do Coaf das mãos do ministro Sergio Moro. Haveria, no noticiário recente, outros casos contra os quais protestar. Por exemplo, a revelação de que Fabrício Queiroz, o desaparecido faz-tudo da família Bolsonaro, pagou em dinheiro vivo os 133 600 reais que lhe custou a cirurgia de câncer no hospital Albert Einstein. Ou as transações imobiliárias em série — seriam 37, segundo as últimas contas do Ministério Público do Rio de Janeiro — que propiciaram lucros expressivos ao senador Flávio Bolsonaro.

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O “pacto pelo Brasil” discutido no Alvorada selaria o apoio conjunto dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a causas prioritárias como a reforma previdenciária e o combate à criminalidade. Impossível acreditar que as assinaturas dos presidentes da Câmara e do Senado decretariam o alinhamento automático de casas caracterizadas, por natureza, pelo debate e pelo conflito. Ilógico imaginar que a assinatura do presidente do Supremo Tribunal Federal arraste o conjunto dos ministros a endossar de antemão matérias passíveis de vir a ser levadas a julgamento. De duas uma: ou o Planalto tenta atrair Congresso e STF a uma missão impossível, para depois acusá-los de boicotar seus esforços para salvar o Brasil, ou o tal pacto não passaria daquilo que o elegante inglês cunhado no Brasil apelidou de “embromation”.

Consta ter sido o ministro Toffoli o primeiro a aventar a ideia de um pacto. O ministro erra de alvo ao não dirigi-­lo ao interior do próprio tribunal. Está mais do que na hora de o STF, tão acossado quanto o Congresso pela sanha do bolsonarismo, proteger seus flancos. Um pacto que incluísse itens como restringir as decisões monocráticas, impedir pedidos de vista que se eternizam e apressar os julgamentos de políticos seria um primeiro passo. Mas como pactuar numa casa em que as brigas atingiram tal nível que uns não falam com outros?

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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