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Reeleito com apoio do PT, Lira não dará vida fácil ao governo na Câmara

O presidente da Casa não será um adversário, mas também não deve se comportar como um aliado da gestão de Lula — muito pelo contrário

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h42 - Publicado em 12 fev 2023, 08h00
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  • O deputado Elmar Nascimento chegou a ser tratado como ministro por colegas do Congresso. Não era blefe nem exagero. Em meados de dezembro, ele teve uma conversa definitiva com o presidente eleito sobre esse tema. Em troca de apoio no Congresso, seu partido, o União Brasil, seria agraciado com alguns cargos no primeiro escalão do governo — e um deles, provavelmente o da Integração, seria ocupado pelo próprio parlamentar. Na conversa com Lula, Elmar lembrou que já tinha feito críticas extremamente contundentes ao PT e ao próprio presidente. Entre outras coisas, o presidente foi chamado de “ex-presidiário” e o partido de “maior organização criminosa da história republicana”. Interessado naquele momento apenas em ampliar a base de apoio, o presidente disse que já havia perdoado agressões bem mais graves e que aquilo não era problema. Ficou subentendido, portanto, que estava tudo certo. O deputado e o presidente não se falaram mais depois disso, a nomeação não saiu e o caso foi anotado numa lista de “pendências” a serem resolvidas.

    EM FAMÍLIA - Renanzinho e Renan: rivais de Lira foram generosamente agraciados -
    EM FAMÍLIA - Renanzinho e Renan: rivais de Lira foram generosamente agraciados – (Roque de Sá/Agência Senado)

    Durante as costuras para a formação do ministério, Lula não se cansava de repetir que vivia uma nova fase. Eleito para o terceiro mandato, dizia estar em um momento de paz e amor e disposto a negociar com antigos adversários. Ao prometer o cargo a Elmar Nascimento, o presidente mirava cooptar uma parte da bancada do União Brasil, mas também sabia que a nomeação do deputado era vista com imensa simpatia pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Por isso, ao não confirmá-­la, acabou criando um problema. Desde o dia 1º de fevereiro, quando Lira foi reeleito, o episódio envolvendo Elmar é usado como exemplo de que a relação entre o Legislativo e o Executivo, apesar das aparências, não é tão harmônica quanto parece. Empoderado, o deputado alagoano relatou a aliados a insatisfação com o que considera um desequilíbrio na Esplanada dos Ministérios — as principais pastas, a exemplo do próprio Ministério da Integração, foram entregues a senadores, enquanto aos deputados restaram espaços de menor expressão, como o Turismo, sendo que nenhum deles compõe o seu círculo de influência.

    Para agravar, Lira viu o seu principal adversário político ocupar um lugar privilegiado. Há mais de uma década os clãs Lira e Calheiros protagonizam uma ferrenha disputa paroquial que envolve uma série de acusações mútuas de todo tipo. Herdeiro do senador Renan Calheiros (MDB), o ex-­gover­na­dor Renan Filho se elegeu senador neste ano, derrotando o candidato de Lira. Ao mesmo tempo, o nome do MDB ao governo de Alagoas também saiu vitorioso sobre o apoiado pelo presidente da Câmara. Com a vitória de Lula, Renanzinho recebeu especial reverência no novo governo. Inicialmente, foi convidado para o Ministério do Planejamento. A bancada do MDB, porém, pediu e levou uma pasta de mais visibilidade. E a primeira agenda como ministro dos Transportes, para a surpresa de ninguém, foi exatamente em Maceió, onde anunciou investimentos de 1 bilhão de reais para a construção de rodovias. Está, nitidamente, pavimentando o caminho para retornar ao governo em 2026.

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    PRETERIDO - Elmar Nascimento: pivô de um tremendo mal-estar entre Lula e Arthur Lira -
    PRETERIDO - Elmar Nascimento: pivô de um tremendo mal-estar entre Lula e Arthur Lira – (Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

    Aliados de Lira garantem que a reação está sendo preparada, sem alarde, à maneira dele. O presidente da Câmara prometeu, por exemplo, acelerar a tramitação da reforma tributária, a menina dos olhos neste início de governo, ao mesmo tempo que indica que Lula pode enfrentar, já na largada, dificuldades na votação. Proposta pela Fazenda, a medida provisória que altera os critérios de desempate em decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é vista como um caminho para evitar que cerca de 60 bilhões de reais por ano em créditos tributários deixem de ser exigidos. Lira tem feito críticas públicas ao texto do governo e defende a tese de que a proposta só deve ser aprovada depois de passar por mudanças.

    Há também engatilhado um “pacote” de contingência para ser desembrulhado em caso de necessidade. São projetos que minam no nascedouro algumas propostas já anunciadas pelo governo. Um deles proíbe o BNDES de conceder empréstimos a outros países — em viagem recente à Argentina, Lula prometeu retomar os controversos financiamentos do banco no exterior. Outro projeto impede a transferência da Abin do Gabinete de Segurança Institucional para a Casa Civil. Há ainda temas sobre os quais o governo não quer ouvir falar, como a criação de uma CPI para investigar os desvios de quase 50 milhões de reais por compras feitas pelo Consórcio Nordeste durante a pandemia da Covid-19. “Quem conhece o Arthur, como eu, sabe que ele não está nada satisfeito com algumas decisões do governo Lula — e isso, pode ter certeza, não vai passar batido. Vai ser no tempo e do jeito dele, pode esperar, mas haverá resposta”, confidencia um dos mais próximos aliados do presidente da Câmara.

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    PRESSÃO - Ciro Nogueira e Valdemar: partidos organizam a formação de blocos -
    PRESSÃO - Ciro Nogueira e Valdemar: partidos organizam a formação de blocos – (Benné Mendonça/ASCOM/CASA CIVIL/.)

    De fato, os números para controlar esse processo estão em suas mãos. O deputado foi reeleito por 464 votos dos 513 possíveis — uma vitória acachapante e inédita que contou, inclusive, com o apoio da bancada do PT. Não foi um apoio natural, movido por afinidades políticas ou programáticas. Foi uma aliança de conveniência. Na campanha presidencial, Lira estava ao lado de Jair Bolsonaro, e seu partido, o PP, integrava a coligação do ex-capitão. Sem a possibilidade de enfrentá-lo na disputa, os petistas acharam melhor aderir à reeleição do que amargar uma derrota. Nenhum governista admite publicamente, mas, em meio a esse cenário pré-beligerante, já há lideranças petistas defendendo a ideia de que, em breve, será necessário fazer uma mudança nos ministérios para contemplar o grupo de Lira na Esplanada. “Está ocorrendo a distribuição de cargos no segundo escalão, mas será insuficiente. Acredito que terá um reposicionamento”, disse um dos líderes do partido.

    Arthur Lira é hoje o parlamentar mais poderoso do país, status que Renan Calheiros, o seu rival, já teve um dia. Quando conquistou pela primeira vez a presidência da Câmara, ele era o candidato do então presidente Jair Bolsonaro e liderava uma base disposta a aderir ao ex-capitão. Naquela ocasião, o deputado exerceu seu mandato em linha com essa maioria, inclusive tratorando a oposição quando necessário. A situação é diferente agora. O deputado conquistou a reeleição sendo aclamado por lulistas e bolsonaristas. O fato de ter sido um nome de consenso, segundo políticos mais calejados, pode obrigá-lo a ter uma postura de magistrado à frente da Casa. Isso não significa que Lira deixará de bater de frente com o governo, mas poderá fazer isso de outra maneira. Está em negociação, por exemplo, a formação de uma federação para unir o PP, partido de Lira, o União Brasil e o Avante. Se der certo, o grupo reunirá 115 deputados e será o fiel da balança na Câmara. Se será governista ou oposicionista, isso dependerá da vontade de Lula de negociar as pendências. Um dado é certo: Arthur Lira estará no comando das tratativas.

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    Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828

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