PT amplia alianças e leva ao sacrifício estrelas da sigla em nome de Lula
Todo e qualquer esforço é válido em troca da vitória do ex-presidente, até a suspensão de projetos eleitorais de outros expoentes do partido
Nos seus tempos de glória, o PT era acusado por aliados de perseguir um hegemonismo, porque, além de comandar o país, ainda queria ter a preferência na hora de escolher os candidatos da esquerda a governos estaduais, ao Senado e às principais prefeituras. A não ser em casos excepcionais ou de menor importância, o partido sempre resistia a abrir espaços aos parceiros. Havia certa megalomania no ar. Petistas planejavam ficar na administração federal por pelo menos vinte anos, exatamente como os tucanos. Ambos fracassaram. Petistas também chegaram a prever a eleição de uma bancada de 100 deputados federais. Não deu certo. Agora na oposição e sem o poder de outrora, a legenda parece disposta a mudar de comportamento e, com o objetivo de formar uma ampla aliança em torno de Lula, já desistiu de candidaturas próprias em alguns estados. Outras concessões estão em negociação. A prioridade é fortalecer a campanha do ex-presidente ao Palácio do Planalto. Em troca dessa vitória, todo e qualquer esforço é válido, até a suspensão de projetos eleitorais de outros expoentes do partido. Na eleição que promete ser a mais disputada da história recente, estrelas do PT irão para o sacrifício em nome de Lula.
A pré-campanha do líder das pesquisas será apresentada formalmente neste sábado, 7, num evento em São Paulo, com a participação de representantes de seis partidos, além do PT. A partir daí, o ex-presidente colocará o bloco na rua. Já na segunda-feira 9 começará um giro por Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país. O PT não lançará candidato ao governo do estado, que administrou pela última vez entre 2015 e 2018, com Fernando Pimentel. A ideia é apoiar para o cargo o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, do PSD, partido que ainda não definiu sua estratégia na sucessão presidencial e que tem sido cortejado por Lula. O ex-presidente e o ex-prefeito estão devidamente acertados — um pedirá voto para o outro, mas a parceria pode ser maior. Lula sonha em receber o apoio formal do PSD ainda no primeiro turno. Para tanto, está disposto a rifar a candidatura do deputado federal Reginaldo Lopes ao Senado por Minas Gerais, o que facilitaria a vida do nome do PSD para o posto, o senador Alexandre Silveira, que tentará renovar o mandato. Se o PSD não topar o acordo nacional com o PT, a tendência é que Lula e Kalil marchem juntos contra Jair Bolsonaro, mas apadrinhem nomes diferentes na disputa ao Senado.
Hoje, a chance de o PSD embarcar oficialmente na campanha presidencial do PT é remota. Comandado por Gilberto Kassab, que foi ministro das Cidades no governo de Dilma Rousseff, o partido tende a liberar seus diretórios estaduais para fechar as alianças que quiserem no primeiro turno. Ruim de voto, mas habilidoso na costura política, Kassab tem feito até aqui o que faz de melhor: valorizar o próprio passe. Ele já disse que tentaria construir uma candidatura própria do PSD à Presidência, já elogiou Ciro Gomes (PDT), insinuando que este seria uma alternativa, e já flertou diversas vezes com Lula. O ato final dessa encenação deve ser a neutralidade no primeiro turno da disputa nacional. Dentro da sigla, poucos diretórios querem apoiar o PT desde já. Entre eles, os de Amazonas e Bahia. “As pessoas não estão percebendo que a eleição de 1989 está se repetindo. Há muitas candidaturas progressistas e, do outro lado, uma candidatura sem qualquer compromisso com a democracia”, diz o senador Omar Aziz (PSD-AM), defensor da aliança com Lula. Ele lembra que em 1989 Lula, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães e Mario Covas, entre outros, rivalizaram entre si e acabaram derrotados por Fernando Collor de Mello, que na época era considerado um outsider, mas depois se revelou um político das piores práticas.
O apoio do diretório do PSD da Bahia a Lula é facilmente explicado. Duas vezes governador do Estado, o senador petista Jaques Wagner desistiu de concorrer novamente ao cargo. Lula, então, propôs ao senador Otto Alencar, do PSD, que ele concorresse ao posto com o apoio do PT. Alencar até analisou a proposta, mas, ao perceber que provavelmente enfrentaria a resistência de petistas locais e não teria o apoio de uma frente de esquerda, também desistiu do projeto. Ele recebeu, então, um segundo agrado. O governador Rui Costa, que se lançaria ao Senado pelo PT, anunciou que não disputaria mais a eleição. A decisão beneficiou Alencar, que passou a liderar as pesquisas com a saída de Rui Costa do páreo. Mesmo quando ainda tinha uma liderança confortável nas intenções de voto, Lula pregava a necessidade de formação de uma ampla aliança para derrotar Bolsonaro. Como num slogan de campanha, o petista defende há tempos a formação de uma coalizão democrática para bater o que chama de projeto autoritário do adversário. Esse discurso tem sido acompanhado de gestos, sendo o mais evidente deles o convite para que o ex-governador Geraldo Alckmin, que trocou o PSDB pelo PSB, seja o vice em sua chapa presidencial.
O PSB, que não se aliou ao PT nas eleições de 2014 e 2018, já recebeu aval do ex-presidente em pretensões importantes para a legenda. Lula vetou a candidatura do senador petista Humberto Costa ao governo de Pernambuco e anunciou apoio a Danilo Cabral, o nome dos socialistas. A escolha fez com que a deputada Marília Arraes trocasse o PT pelo Solidariedade com o objetivo de tentar o governo pernambucano. O ex-presidente também apoiará, por exemplo, o candidato do PSB ao governo do Rio de Janeiro, o deputado Marcelo Freixo. O PT até cogitou abrir mão também da candidatura ao Senado pelo estado, a fim de usá-la como moeda de troca nas negociações nacionais, mas não conseguiu atrair eventuais interessados. Apesar de a aliança nacional estar bem encaminhada, petistas e socialistas ainda têm de aparar uma aresta importante. Em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, cada partido tem um candidato ao governo. Fernando Haddad (PT) quer que Márcio França (PSB) desista e integre a chapa como postulante ao Senado. França, por sua vez, não abre mão de concorrer.
Os petistas, por via das dúvidas, não anunciaram ainda um pré-candidato ao Senado. Eles querem a vaga para negociar com os socialistas ou outros interessados. Um nome do partido só será efetivado na função se as tratativas em curso derem errado. De olho na indicação, mas com poucas chances, está o ex-senador e atual vereador Eduardo Suplicy. Por enquanto, a aliança eleitoral de Lula deve reunir PT, PSB, PCdoB, PV, PSOL, Solidariedade e Rede Sustentabilidade. O plano do ex-presidente é se apresentar ao eleitor como o representante de um arco suprapartidário que reúne políticos da esquerda ao centro. “O Lula deixou muito claro: a intenção dele é a constituição de uma frente ampla que compreende os dilemas da democracia brasileira”, diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), escalado para a coordenação de campanha do ex-presidente. No fim de abril, a Rede anunciou adesão a Lula, mas o evento não contou com a presença da principal liderança da sigla, a ex-ministra Marina Silva. A situação não passou despercebida.
Diante do evidente constrangimento, o ex-presidente declarou ter sentido falta de Marina, que foi sua ministra de Meio Ambiente. Em resposta, Marina não escondeu a mágoa, mas afirmou estar aberta ao diálogo. É aquela história: quem bate esquece, mas quem apanha… Na campanha de 2014, o PT desconstruiu a candidatura presidencial de Marina com táticas de propaganda à altura das adotadas pelas milícias digitais bolsonaristas. O partido apelou à agressividade e às fake news para triturar a antiga aliada. Deu certo: Marina desidratou nas pesquisas, e Dilma acabou reeleita. Passados oito anos, algumas feridas abertas pelo hegemonismo ainda estão sangrando e obrigam o PT a pagar com sacrifícios pelas alianças.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788