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Processos contra Lula: tudo arquivado, nada esclarecido

Adversários vão explorar não só a participação do petista nos escândalos de corrupção como também as histórias mal explicadas que envolvem seus filhos

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 mar 2022, 16h18 - Publicado em 4 mar 2022, 06h00

Nos últimos dois anos, Lula alcançou um feito extraordinário. Condenado e preso, com a carreira política dada como sepultada e a biografia manchada por denúncias de corrupção, ele conseguiu anular todos os casos que o envolvem, é candidato à Presidência da República e lidera as pesquisas de intenção de voto. Isso não quer dizer que o petista não praticou os crimes dos quais era acusado. Significa apenas que a defesa dele foi bem-sucedida em demonstrar erros processuais considerados pelo Supremo Tribunal Federal como suficientes para encerrar os casos. A campanha eleitoral do ex-presidente sabe, porém, que os adversários vão explorar não só a participação dele nos escândalos de corrupção como também os negócios estranhos e as histórias mal explicadas que envolvem seus filhos. Apagar os rastros do passado, portanto, era uma tarefa estratégica para tentar afastar certos fantasmas.

Lula tem cinco filhos. Quatro deles foram acusados de crimes de corrupção, organização criminosa, tráfico de influência, lavagem de dinheiro ou sonegação fiscal. Fábio Luís Lula da Silva, o mais velho, foi o precursor. Em 2003, quando o pai assumiu o governo pela primeira vez, Lulinha, como é conhecido, era funcionário de um zoológico em São Paulo. Um ano depois, ele se tornou o primeiro milionário da família. O primogênito largou o emprego no zoológico, criou uma empresa de games e vendeu parte dela por 5 milhões de reais (valor da época) para a Oi, concessionária do setor de telefonia. Apesar de estranho, parecia um simples negócio privado — até que surgiu um lobista da concessionária revelando que Lulinha trabalhava com ele. E o mais complicado: soube-se que a compra da empresa de games ocorreu pouco antes de o presidente Lula assinar um decreto que beneficiava a Oi numa operação bilionária. Na época, foram abertas investigações para apurar se havia alguma relação entre uma coisa e outra.

NADA A VER COM CAÇAS - Luís Cláudio: o caçula da família recebeu 2,5 milhões reais de um lobista por um calhamaço de artigos copiados da internet -
NADA A VER COM CAÇAS - Luís Cláudio: o caçula da família recebeu 2,5 milhões reais de um lobista por um calhamaço de artigos copiados da internet – (Sergio Lima/AFP)

Em janeiro deste ano, a Justiça Federal de São Paulo arquivou o processo que tramitava contra Lulinha, embora o mistério sobre a fortuna do filho número 1 tivesse ganhado novas e vultosas informações. A Operação Lava-­Jato descobriu que a parceria entre a empresa do primogênito e a concessionária de telefonia não terminou em 2004. Pelo contrário. Lulinha continuou recebendo através de outras empresas que criou. No total, foram 83 milhões de reais durante doze anos, de 2004 a 2016. Os advogados alegaram na Justiça que as provas obtidas contra o rapaz não tinham valor legal, já que haviam sido colhidas em buscas autorizadas pelo ex-juiz Sergio Moro. Como o magistrado foi considerado suspeito pelo STF nos casos que envolviam o ex-presidente Lula, logo os indícios capturados nesse período também não poderiam ser admitidos. O processo foi arquivado sem que se soubesse qual era exatamente o valioso serviço que a empresa de Lulinha prestava aos seus contratantes. Para a Justiça, o caso está encerrado.

Na quarta-feira 2, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal sepultar o último processo que envolvia Lula e um de seus filhos. Em 2014, Luís Cláudio Lula da Silva e o pai foram acusados de tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Segundo o Ministério Público, entre 2014 e 2015, o caçula da família recebeu 2,5 milhões de reais como pagamento por decisões do governo em favor de algumas empresas. Uma delas, a sueca Saab, foi vencedora de uma licitação para a venda de caças à Força Aérea Brasileira. Os advogados de Lula pediram ao STF o arquivamento do processo, alegando — como no caso de Lulinha — que alguns documentos anexados como provas tiveram origem na Operação Lava-­Jato e, portanto, também seriam imprestáveis. “Todo o conjunto de e-mails usado para estruturar a ação dos caças tinham origem nas ações cautelares da Lava-Jato de Curitiba, que já haviam sido anuladas pelo STF. As provas e conversas dos procuradores mostraram um cenário de fabricação de acusações”, disse a VEJA o advogado de Lula e Luís Cláudio, Cristiano Zanin.

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PRIMEIRO MILIONÁRIO - Fábio: o primogênito faturou 83 milhões de reais em parceria com concessionária de telefonia -
PRIMEIRO MILIONÁRIO - Fábio: o primogênito faturou 83 milhões de reais em parceria com concessionária de telefonia – (Danilo M Yoshioka/Futura Press/.)

Na época, a Aeronáutica abriu uma concorrência internacional para adquirir 36 aviões de combate. A Saab contratou o lobista Mauro Marcondes, amigo do ex-presidente Lula. Ouvido em Londres, Andrew Wilkinson, então diretor de marketing de vendas do grupo Saab, confirmou que contratou Marcondes para ter acesso a Lula, que, por sua vez, exerceria influência sobre a então presidente da República, Dilma Rousseff, a quem cabia dar a palavra final sobre o negócio. O processo estava nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, do STF. Não havia muitas dúvidas sobre o teor do veredicto, que limpa completamente a ficha judicial do ex-­presidente e também a do segundo milionário da família, cuja maior realização profissional até a ascensão do pai tinha sido servir como auxiliar de preparador físico de futebol.

“Não é possível ignorar que os procuradores da República responsáveis pela denúncia referente à compra dos caças suecos agiam de forma concertada com os integrantes da ‘Lava-Jato’ de Curitiba, por meio do aplicativo Telegram, para urdirem, ao que tudo indica, de forma artificiosa, a acusação”, disse o ministro em sua decisão. Em outras palavras, o magistrado considerou que houve uma articulação imprópria entre os investigadores de Brasília, onde o caso era apurado, e os procuradores da Lava-Jato para forjar a acusação contra Lula e o filho. A versão de Luís Cláudio é de que os 2,5 milhões de reais repassados a ele pelo lobista nada mais eram do que o pagamento por serviço de consultoria esportiva (um calhamaço de recortes copiados da internet). Uma parte da bolada era oriunda de patrocínios de empresas coincidentemente beneficiadas por decisões dos governos petistas — dinheiro que tinha como destino final a liga brasileira de futebol americano.

CARGA PESADA - Marcos Cláudio, cujo processo também foi arquivado: ganhando a vida como motorista de caminhão -
CARGA PESADA – Marcos Cláudio, cujo processo também foi arquivado: ganhando a vida como motorista de caminhão – (Jefferson Coppola/.)

Outros dois filhos do ex-presidente tiveram seus negócios esquadrinhados nos últimos anos pelas autoridades. O Ministério Público chegou a identificar repasses que somam 1,7 milhão de reais do Instituto Lula (entidade filantrópica, sem fins lucrativos e que recebia doações de empreiteiras envolvidas na Lava-Jato) e da firma de palestras do ex-presidente (contratada em várias oportunidades pelas mesmas empreiteiras) para empresas dos filhos. A FlexBR, de Sandro Luís Lula da Silva e Marcos Cláudio Lula da Silva, recebeu pagamentos para supostamente fazer a triagem de fotos e vídeos para o acervo público do ex-presidente. A FlexBR não tinha nenhum funcionário e faliu no ano passado. Os processos sobre esses casos também acabaram arquivados — e, de novo, até hoje não se tem uma explicação minimamente plausível para os aportes.

Os advogados dizem que o arquivamento do último processo contra Lula e os filhos vai deixar evidente o nível de perseguição sofrida pela família desde que o petista deixou o poder. Lula ficou preso 580 dias, foi condenado a 26 anos de cadeia por corrupção e impedido de disputar as eleições em 2018. Curiosamente, as carreiras dos filhos degringolaram com o purgatório do pai. Depois de dois anos como assessor de um deputado petista na Assembleia Legislativa de São Paulo, Luís Cláudio voltou a atuar há alguns meses no ramo dos esportes, sonha em retomar seu projeto de divulgar o futebol americano no Brasil e, recentemente, foi contratado como integrante da comissão técnica de um pequeno time de futebol. Com a reabilitação política de Lula, Fábio Luís reativou a LLF Participações, empresa de tecnologia que tinha sede em um terreno baldio e foi acusada de servir como fachada para burlar o Fisco. Lulinha ampliou o ramo de atividades e agora vai atuar também na área de “gestão empresarial, intermediação e agenciamento de serviços”. Já Marcos Cláudio estaria ganhando seu sustento dirigindo um caminhão. E Sandro se mantém com a ajuda de parentes. A liderança do petista nas pesquisas de intenção de voto deu aos filhos a esperança de um recomeço — mas nada indica que os fantasmas do passado vão simplesmente desaparecer.

Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779

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