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Prestação de contas do PSL do Rio revela movimentações suspeitas

VEJA teve acesso a documentos de campanha do partido entregues à Justiça Eleitoral; as notas indicam uma série de estranhezas

Por Jana Sampaio, Leandro Resende e Sofia Cerqueira
Atualizado em 4 jun 2024, 14h50 - Publicado em 20 dez 2019, 06h00
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É FESTA – Flávio (à esq.) com Val, a ex-tesoureira-geral do PSL, e Bolsonaro em um aniversário,
em outubro de 2017: cheque assinado por ela e pelo hoje senador (no alto) e nota referente à compra de santinhos sem comprovante bancário (acima) (./.)

Criado em 1994, o Partido Social Liberal (PSL) era mais uma de tantas siglas inexpressivas na política brasileira até, em março de 2018, acolher o pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro e dois de seus filhos, Eduardo, aspirante a deputado em São Paulo, e Flávio, que tentava o Senado e acabaria se tornando presidente da legenda no Rio de Janeiro. Brigado com uma ala, o clã está trocando o partido pela Aliança pelo Brasil, lançada com estardalhaço e ainda sujeita à aprovação do Tribunal Superior Eleitoral. Mas isso não significa o fim das dores de cabeça. Uma análise detalhada da contabilidade da campanha de 2018 feita pelo PSL fluminense, justo o quinhão liderado naquele ano por Flávio, ungido senador ao lado de treze deputados estaduais e doze federais, aponta uma série de movimentações suspeitas nos recursos do Fundo Partidário — montante de dinheiro público que cada sigla recebe de acordo com seu resultado eleitoral. No caso do PSL do Rio, foram 630 000 reais.

VEJA teve acesso às 532 páginas com a prestação de contas de toda a campanha, entregues pelo partido à Justiça Eleitoral em 19 de novembro de 2018. A papelada, assinada pela tesoureira-geral Valdenice de Oliveira Meliga, a Val, foi submetida à análise de cinco especialistas em direito eleitoral e esmiuçada pela reportagem, que ouviu ainda quadros do PSL do Rio ao longo de dois meses. O rastreamento indicou uma mesma inexplicável transação no relatório de 41 dos 173 candidatos: eles desembolsaram entre 750 e 5 000 reais pela contratação de uma empresa de nome Alê Soluções e Eventos, totalizando 53 800 reais. A justificativa: o pagamento (só para lembrar, com verbas que subtraíram do naco que o PSL lhes deu para a campanha, um dinheiro do Erário) era para que a tal empresa lhes prestasse serviço de contabilidade. É verdade que as contas de uma campanha precisam passar por auditoria profissional antes de ser enviadas à Justiça. Mas nesse enrosco saltam aos olhos no mínimo duas estranhezas:

(1) A Alê Soluções pertence a Alessandra Cristina Ferreira de Oliveira, que respondia na campanha pelo posto de primeira-tesoureira do PSL do Rio de Janeiro;

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(2) A empresa é registrada como “produtora e montadora de eventos” e não está habilitada pela Receita Federal a fazer trabalhos na área de contabilidade. Em outras palavras, nunca poderia ter sido contratada pelos 41 candidatos do PSL.

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SÓ DEU ELA – Gráfica Esfera: serviços na campanha mesmo sem habilitação (./.)

A reportagem foi ao endereço que consta como o da Alê Soluções e Eventos, em Vargem Pequena, na Zona Oeste carioca. Na entrada, avista-se a placa “Sítio Bela Vista”. Garrafas e sacolas plásticas estão jogadas em meio à grama alta. A casa, onde supostamente foi feita a contabilidade dos 41 pesselistas, completa o cenário do abandono, com portas e janelas fechadas. Nenhum sinal de vida, muito menos de escritório por ali. Procurada por VEJA, Alessandra, a Alê, disse que fez, sim, a contabilidade, mas jamais obrigou ninguém a contratar sua empresa. Cinco candidatos do PSL relatam outra história. Eles foram unânimes em afirmar que “havia uma pressão para que procurassem a Alê Soluções”. Desse grupo, apenas Chris Alva­renga (não eleita) quis sair do anonimato: “Me falavam: ‘Tem de contratar a Alê senão vai dar problema” (veja a entrevista abaixo).

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Outro ponto no cipoal de documentos chamou a atenção dos especialistas consultados por VEJA: as 349 notas fiscais anexadas ao processo correspondem, na verdade, a apenas 45 serviços realizados. Isso porque uma única nota foi replicada oito, nove, até dezesseis vezes — caso de um gasto de 29 475 reais referente ao “pagamento de santinhos”, só para dar um exemplo. Quase todos os serviços foram prestados apenas por três empresas: uma produtora de vídeos e duas gráficas — uma das quais, a Esfera Visual, na Baixada Fluminense, não tem registro para atuar na área (a mesma Esfera, aliás, emitiu uma nota em 3 de outubro de 2018 que o PSL juntou ao conjunto sem nenhum comprovante de que o pagamento foi efetuado). “A multiplicação de notas é um indício de fraude na prestação de contas”, diz o advogado Luciano Santos, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Se a fraude for comprovada, poderá ser enquadrada como falsidade ideológica e sonegação fiscal. A nova direção do PSL afirma que vai auditar as contas.

Diante de tantas dúvidas em torno da coleção de notas, Val, a ex-tesoureira-geral, limitou-se a responder: “Não tenho mais nada a ver com o PSL”. Ela chegou ao posto maior das finanças do partido no Rio pelas mãos de Flávio Bolsonaro, para quem trabalhou como assessora parlamentar quando ele era deputado estadual. Eles mantêm uma relação de confiança tão sólida que assinaram juntos cheques da campanha. Curiosamente, Val é ainda sócia de Alê em outra produtora de eventos. O caminho da dupla que capitaneou o caixa do PSL fluminense viria a se cruzar outra vez nas investigações da “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro, assunto de reportagem desta edição. As duas tiveram o sigilo bancário quebrado.


“Acabei funcionando como laranja”

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DECEPÇÃO – Chris: “A candidatura não era para valer” (./.)

Candidata a deputada estadual pelo PSL do Rio nas eleições de 2018, Christiane Alvarenga da Silva, a Chris, 34 anos, contou a VEJA que cometeu “irregularidades” por pressão da tesoureira-geral do PSL Valdenice de Oliveira Meliga, a Val. Christiane não se elegeu.

A senhora diz que foi pressionada a fazer movimentações financeiras que lhe causaram estranheza. Quais? Um dia, a Val me abordou e pediu que eu devolvesse 1 500 reais dos 2 600 que o partido tinha me dado para a campanha. Disse que uma parte seria para pagar a contabilidade feita pela empresa da Alê (Alessandra de Oliveira, tesoureira do PSL) e que a outra iria para um advogado.

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E esses serviços foram prestados? Posso dizer que, sempre que precisei da consultoria da Alê, ela não sabia responder às minhas questões. Ou seja, não me ajudou. O advogado, eu nunca vi na vida. Não fez nada. Eu me senti roubada.

A senhora sabia que a empresa da tesoureira Alessandra fazia contabilidade? Não. Soube apenas quando a Val me pediu para procurá-la.

Seu nome é um dos que mais aparecem nas notas fiscais apresentadas pelo partido. Recebeu todo o material? Recebi 20 000 santinhos e cinquenta adesivos de carro. Nada mais. Declararam que prestaram serviço de mídias sociais para mim, mas não é verdade.

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Sua candidatura era mesmo de fachada, como chegou a ser ventilado?  Acabei funcionando como laranja. Não me deram condições reais de concorrer, e parte do pouco dinheiro que tinha ainda me arrancaram. Hoje entendo que o PSL só me aceitou para cumprir a cota feminina exigida por lei. Era marinheira de primeira viagem. Fui completamente enganada.

 

Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666

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