Alçado ao Palácio Guanabara pelo impeachment de Wilson Witzel, o até então desconhecido vice dele, Claudio Castro (PL), cantor gospel católico vindo de dois anos de obscuridade na Câmara dos Vereadores, agarrou sua chance: pôs-se imediatamente a trabalhar para, encerrado o mandato-tampão, se reeleger governador do Rio de Janeiro. A primeira providência foi agradar à família Bolsonaro — abraçou-se sobretudo com o senador Flávio, empilhou aliados do presidente e dos filhos no Palácio Guanabara e, por um momento, até flertou com o negacionismo em meio à pandemia da Covid-19. Ao ver Jair Bolsonaro patinar nas pesquisas, Castro, em nome de seu projeto, iniciou um gradativo descolamento do clã, tomando o cuidado de não acirrar a ira e a retaliação bolsonaristas. Ao mesmo tempo, voltou-se para o extremo oposto: agora se movimenta na direção da centro-esquerda e do ex-presidente Lula.
Na trilha da mudança de lado, Castro tem evitado citar Bolsonaro e aparecer junto a ele nas redes sociais. Na briga do presidente com os governadores a respeito da alta da gasolina, pôs-se a criticar o Planalto e a política de preços da Petrobras. Também assinou a carta-protesto contra a afirmação de Bolsonaro de que “todos os estados, sem exceção”, aumentaram impostos, contribuindo para a subida no preço dos combustíveis. Virou a casaca na questão da vacina, abandonando a cartilha bolsonarista e publicando no Instagram foto sua sendo imunizado, com a legenda: “Vacina boa é com a segunda dose”. Enquanto isso, a operação Castro-Lula vai se desenvolvendo discretamente, encabeçada por Rodrigo Abel, um petista de raiz que hoje dá as cartas no governo fluminense, na posição de secretário estadual do Gabinete do Governador.
O objetivo do grupo político de Castro é construir uma aliança informal com Lula e a partir daí solidificar o apoio dos principais nomes da articulação eleitoral no Rio: o presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), André Ceciliano (PT), e o prefeito da capital, Eduardo Paes (PSD). Com Ceciliano a parceria já tem meio caminho andado: o deputado costurou para o governador uma ampla aliança com pelo menos dezesseis partidos. Mais que depressa, eles se beneficiaram do loteamento de secretarias, subsecretarias e órgãos estaduais, garantindo em troca apoio às ambições de Castro em 2022. Paes já é osso mais duro de roer, visto que tem um candidato próprio, Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, para a sucessão estadual. Mas seus aliados dizem que a aproximação com o governador não está descartada — reeleito com um empurrão do prefeito, Castro retribuiria deixando-lhe caminho livre para o mesmo cargo em 2026.
No PT, o trunfo de Castro é a disposição da sigla de obter aliados onde quer que eles se apresentem. Altineu Côrtes, deputado federal e presidente regional do PL, o partido do governador, admite abertamente a possibilidade de uma aliança informal: “O PL nacional irá com Bolsonaro. Mas existe, sim, um movimento para juntar Castro e Lula no Rio”. Do outro lado, também. “Formalmente, o partido deverá apoiar Marcelo Freixo (PSB) para governador. Mas a prioridade do PT é eleger Lula. Queremos que ele tenha mais de um palanque nos estados”, confirma Ceciliano, um dos coordenadores da pré-campanha do ex-presidente. Neste cenário, Lula pediria votos no Rio para Freixo e ainda para Felipe Santa Cruz, para Rodrigo Neves (PDT), ex-prefeito de Niterói — e, no melhor dos mundos castrista, para ele próprio, o azarão do bolo centro-esquerda. Em agosto, postado ao lado do governador em um evento, o vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, gritou, empolgado: “É Castro-Lula, é Castro-Lula!”. Constrangida, no dia seguinte a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, despistou: “É uma posição absolutamente pessoal de Quaquá”.
Assim como em outros estados, a definição do palanque no Rio deve acontecer por volta de maio de 2022. Com as finanças estaduais turbinadas pela venda da Companhia de Água e Esgoto e pelos royalties de petróleo, Castro negocia a reformatação da monumental dívida do Rio com a União, de mais de 170 bilhões de reais. “Até o início do ano que vem, quando a questão da dívida deve estar resolvida, ele ficará com um pé em cada canoa, entre Bolsonaro e Lula”, prevê uma pessoa próxima a ele. “Internamente, fala: ‘Eu não posso trair o Bolsonaro, mas estou torcendo para que ele me traia’ ”, acrescenta. Aliás, isso é bem possível. Bolsonaristas mais radicais gostariam de lançar um nome como Hamilton Mourão ao governo fluminense. Procurado, o governador disse em nota que se empenha em “consolidar melhorias para a população do Rio” e em “unir o estado com diálogo e realizações”. Em resumo: faltando um ano para a eleição, Castro, o novato, mostra que conhece política tanto quanto seus pares mais maduros.
Em nota divulgada neste sábado, 16, o presidente do PL no Rio de Janeiro, Altineu Côrtes, afirmou que a legenda é base de apoio de Bolsonaro e está comprometida com sua reeleição. “Este mesmo compromisso nacional é acompanhado pelo PL no Rio e por todas as suas lideranças”, acrescenta. “As aspas atribuídas a fala do Governador Cláudio Castro não são verdadeiras. O governador, filiado ao PL, já reiterou publicamente — recentemente ao jornalista Datena — o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro”, conclui.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760