Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Peças incompletas, livros omissos

A ficção e a leitura são forças contrárias à desinformação digital

Por João Cezar de Castro Rocha
Atualizado em 4 jun 2024, 16h30 - Publicado em 19 abr 2019, 07h00
  • Em 2 de abril, logo após visitar o Memorial do Holocausto, em Israel, o presidente Jair Messias Bolsonaro nem respirou fundo para anunciar a novidade anacrônica: o nazismo foi um movimento de esquerda. (Volver?)
  • Em 1599, William Shakespeare concluiu Henrique V, um elogio tocante à ideia de ficção, ou seja, à capacidade de conceber mundos por meio da imaginação traduzida em palavras.
  • Num tuíte redigido com dificuldade angustiante, Eduardo Bolsonaro duvidou da relevância de Paulo Freire. Solidário, e sempre inspirado, Carlos Bolsonaro voou voou subiu subiu: “É simples entender porque o PT, PSOL, PCdoB defendem método Paulo Freire alinhado com chás e bolos com ervas e recheios ilegais”. Agramatical, a forma ilustra involuntariamente o conteúdo.
  • Eis o desafio: como tornar o palco do The Globe num cenário crível para emular o mais importante triunfo da história inglesa, a Batalha de Azincourt, que em 1415 consagrou o rei Henrique V? Como resposta, Shakespeare inventou um mundo próprio: para assistir à peça, melhor fechar os olhos.
  • No Memorial do Holocausto, o nazismo é definido como um movimento de direita. Os partidos políticos da Alemanha, de todos os tons do espectro ideológico, reagiram com indignação às afirmações excêntricas do presidente Bolsonaro.
  • Shakespeare superou o contratempo iluminando a potência da ficção (na tradução de Carlos Alberto Nunes): “Valendo-se tão só de asas fictícias, a nossa cena se desloca com rapidez não menos admirável do que a do pensamento. (…) Sede bondosos; demonstrai talento e a peça completai com o pensamento”.
  • Machado de Assis apreendeu a lição shakespeariana em Dom Casmurro: “Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as cousas que não achei nele!”.
  • Paulo Freire foi agraciado com dezenas de títulos de doutor honoris causa por universidades em todo o mundo. Pesquisa internacional recente mostra que, pelo conjunto de suas dezenas de obras traduzidas para diversos idiomas, ele é o terceiro autor mais citado na área das humanidades. “Você acha que eu acredito na manipulação da mídia globalista? Olha aí: Paulo Freire não tem seguidores nas redes sociais… Viu?! Como? Ele faleceu em 1997? E daí? Vai dar desculpinha agora?!”
  • No império da (in)cultura digital, tudo de que o mundo precisa é o exercício criativo exigido por autores como Machado de Assis, isto é, a leitura literária pode tornar-se o antídoto contra as fake news e a má-fé tornada método. As milícias da mentira têm pernas curtas e apostam na confusão geral — geleia do caos sem o qual retornarão ao laborioso anonimato de sua mediocridade. Elas não contam com a astúcia dos leitores de Shakespeare, que, pelo contrário, nunca se esquecem de seu papel revolucionário: “Supri com o pensamento nossas imperfeições”.

Publicado em VEJA de 24 de abril de 2019, edição nº 2631

carta
Envie sua mensagem para a seção de cartas de VEJA
Qual a sua opinião sobre o tema deste artigo? Se deseja ter seu comentário publicado na edição semanal de VEJA, escreva para veja@abril.com.br

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.