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Para entidades, decreto sobre informações dificulta combate à corrupção

Grupos que atuam por transparência e liberdade de expressão consideram que regulamentação inverte Lei de Acesso – sigilo vira regra e transparência, exceção

Por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h07 - Publicado em 24 jan 2019, 18h49
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  • Entidades que atuam em defesa da transparência do setor público no Brasil se manifestaram nesta quinta-feira 24 contra o decreto 9.960, do governo federal, que muda as regras da Lei de Acesso à Informação (LAI). Os grupos consideraram que a expansão do número de funcionários que poderão classificar documentos e informações públicas como sigilosas é um “retrocesso” ao princípio da Lei e vai dificultar o combate à corrupção.

    Antes do texto, assinado pelo presidente em exercício Hamilton Mourão (PRTB) e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), apenas o presidente, o vice-presidente, ministros de estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões permanentes no exterior poderiam considerar algo “ultrassecreto”.

    Agora, esse número será expandido para todos os ocupantes de cargos “DAS 101.6”, cerca de 717 funcionários, segundo estimativa de dezembro do Ministério do Planejamento. Outros 1.799, nomeados para funções de “DAS 101.5”, poderão tornar uma informação “secreta”. A diferença entre as duas classificações é o prazo: a primeira torna algo oculto por 25 anos; a segunda, por 15.

    Para Marina Toji, gerente-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a decisão inverte o objetivo central que levou à aprovação da LAI em 2012. “Entendemos como um retrocesso à aplicação da LAI no governo federal porque destrói o espírito da lei, que é o de que o sigilo é a exceção e a transparência é a regra”, argumenta.

    Em nota, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) concorda e afirma que a nova regra dificultará o acesso a informações que poderiam desvendar delitos cometidos dentro do setor público. “A ampliação indiscriminada dos agentes públicos com poder de cercear as informações vai favorecer a ocultação da improbidade administrativa e outras formas de corrupção”, escreve.

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    A ONG Artigo 19, que atua em diversos países em defesa da liberdade de expressão e acesso à informação, corrobora esse argumento. “A transparência e a capacidade da sociedade acompanhar o poder público são pilares fundamentais para um combate real e efetivo à corrupção no país – algo que está no centro da preocupação de uma grande parcela da população”, diz a entidade.

    Na avaliação da advogada Mônica Sapucaia de Machado, doutora em direito político e econômico e professora do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP), o decreto abre espaço que gestores de órgãos públicos, muitas vezes desconhecidos da população e mais imunes à pressão da sociedade civil, tornem secretos seus próprios atos administrativos, em uma autoproteção contra investigações e reportagens da imprensa.

    Fabiano Angélico, consultor sênior da Transparência Internacional, levanta um outro aspecto negativo. Para ele, além de não precisarem “prestar contas publicamente por uma decisão mais controversa”, a nova regulamentação dá “poder desmedido” a funcionários menos graduados.

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    “A classificação é algo muito estratégico e crucial na implementação da lei. Colocar essa atribuição a funcionários de escalão inferior é muito ruim porque dá um poder desmedido a funcionários menos graduados, que, muitas vezes, não têm o preparo ou equipe técnica para esta avaliação”.

    Recursos

    Cidadãos que tiverem pedidos de acesso à informação negados por essa classificação continuarão podendo recorrer da decisão. Na avaliação de Marina Atoji, da Abraji, como o número de informações “secretas” e “ultrassecretas” poderá crescer muito, existe o risco de que esse recurso se torne insuficiente, “algo como enxugar gelo”.

    A professora Mônica Sapucaia avalia que será necessário avaliar na prática a efetividade de recursos, mas que, a princípio, deve ser observado que se trata de uma “estrutura que foi montada para dificultar que você questione”. Marina Atoji complementa que há uma dificuldade para que cidadãos comuns, pouco familiarizados com o uso da lei, consigam reverter uma negativa através desse mecanismo.

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    Uma outra reclamação comum às entidades que lidam com transparência e acesso à informação foi a falta de discussão para a edição deste novo decreto. Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, lembra que participou da elaboração da LAI em 2012 e que a regulamentação vai em sentido contrário ao que baseou a regra. “À época, consideramos que quanto menor o universo de pessoas com o poder de decidir sobre as restrições (ultrasecretos, secretos, sigilosos e reservados), melhor seria para minimizar a quantidade de documentos indisponíveis para a sociedade”, disse, em nota.

    Mesma queixa tem Joana Marchezini, coordenadora de acesso à informação da Artigo19. “É preocupante que um decreto que impacta no direto à informação de toda sociedade tenha sido realizado sem processos participativos, como os que marcaram, por exemplo, a elaboração da Lei de Acesso a Informação no Brasil antes que ela fosse aprovada em 2012. Não houve diálogo com a sociedade civil ou mesmo com os demais poderes, incluindo as casas legislativa que aprovaram a LAI”, criticou.

    Outro lado

    Mais cedo, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, defendeu a decisão. Para ele, a Lei de Acesso à Informação já permitia a descentralização e que, com mais servidores capazes de avaliar a necessidade de sigilo de um documento permitirá a “desburocratização”.

    “A gente está de pleno acordo com o decreto. Não compromete transparência, porque (se houver) qualquer problema, isso pode ser revisado. Nós fomos consultados e vimos isso aí como importante passo para o cumprimento da lei. A CGU, que é o órgão que garante a LAI, não vê prejuízo nenhum, ao contrário”, disse Rosário.

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