Os velhos novos tempos: a campanha de Lula no Nordeste
Aos 75 anos, o ex-presidente mostrou que ainda mantém alta a vitalidade política
Experimentar um avião de carreira ou um passeio pelas ruas de uma grande cidade não está nos planos do ex-presidente Lula — ao menos por enquanto. Na sexta-feira 27, ele encerrou um périplo pela Região Nordeste. Em um jato alugado, visitou seis estados em doze dias, se reuniu com governadores, prefeitos, deputados e vereadores dos mais variados partidos. Pregou a necessidade de união das siglas contra o adversário comum, prometeu ajuda aos pobres, emprego, crescimento e criticou a imprensa. Em momento nenhum falou explicitamente que será candidato à Presidência da República. Aos 75 anos, o ex-presidente mostrou que ainda mantém alta a vitalidade política. Em seu giro, também deixou evidente uma não menos impressionante vitalidade física.
A foto de Lula ao lado da socióloga Rosângela da Silva, a Janja, sua nova companheira, foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais durante a semana. Ela foi captada pelo fotógrafo oficial do PT numa praia do Ceará, postada no perfil da namorada e mostra que o ex-presidente está em excelente forma física para a idade — diferente de outras imagens publicadas no mesmo dia, nas quais ele parece bem menos atlético, bem menos bronzeado e com os cabelos rareados à mostra. Retratos podem ficar melhores ou piores, dependendo do ângulo captado e da mensagem que se quer passar. No momento, Lula quer voltar ao centro do tablado e construir a narrativa de que foi vítima de uma “conspiração internacional” para apeá-lo do poder. Em suas aparições no Nordeste, a imprensa e o grande público foram mantidos a uma distância prudente. Os “populares” que cercaram o ex-presidente nos eventos foram sempre militantes partidários, sindicalistas e ativistas de organizações sociais ligadas ao PT.
Nesse início de campanha informal, Lula não quer se arriscar no teste das ruas. Ainda assim, em Fortaleza, apoiadores do petista e bolsonaristas chegaram a ensaiar um confronto. Houve troca de insultos entre manifestantes que empunhavam cartazes onde se liam provocações como “Luladrão” e “Bozo”. No Ceará, aliás, a passagem de Lula foi marcada por um episódio insólito. O ex-presidente e a namorada foram convidados pelo governador Camilo Santana a pernoitar numa confortável casa que a família do governador tem na Praia de Picos, distante 200 quilômetros da capital. A pequena mordomia passaria despercebida não fosse um exagero: para garantir a privacidade do petista, Santana deu ordens para isolar a praia. Viaturas da polícia cercaram os acessos ao local, o que provocou protestos de moradores e de turistas que visitavam a região. A paisagem bucólica e a lua cheia ajudaram a compor o cenário da imagem que viralizou na internet e mexeu na disputa de popularidade nas redes sociais.
Após o início da viagem, o petista tomou de Bolsonaro a liderança no ranking de popularidade digital (IPD) elaborado pela consultoria Quaest. Em 9 de agosto, um dia antes do barulhento desfile de tanques pela Praça dos Três Poderes, Bolsonaro era o líder no IPD com 62,34 pontos, enquanto Lula marcava apenas 36,29 pontos. Na sexta-feira 20, Lula já estava na ponta, com 59,79 pontos, à frente do ex-capitão, com 52,38. O ranking leva em consideração dados colhidos em redes sociais e buscadores, além de uma série de variáveis, como a capacidade de promover engajamento e a receptividade às mensagens postadas. O PT — que reconhece ter sido negligente com o universo digital em 2018 — agora joga também pesado nessa seara.
Bem-sucedido na visão dos petistas, o tour de Lula pelo Nordeste foi uma espécie de ensaio geral para a estratégia e o discurso que o PT pretende adotar na campanha do ano que vem. Serviu também para mostrar que o ex-presidente e o seu partido continuarão se valendo de velhos vícios. Além do jatinho alugado, a comitiva de dez pessoas se hospedou em hotéis de primeira linha e promoveu eventos de apoio em todos os lugares por onde passou. O PT, no entanto, não informa quanto tudo isso custou. No passado, caravanas assim também eram comuns. Muitos acreditavam que os recursos que financiavam essas campanhas eram oriundos da venda de estrelinhas vermelhas e camisetas. A Lava-Jato mostrou que a fonte era outra.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753