O governo que começa nesta terça-feira, 1º, sob o comando de Jair Bolsonaro tem como principal desafio viabilizar politicamente a agenda de reformas proposta pelo plano liberal de Paulo Guedes, o escolhido do presidente para um superministério da Economia – que abarcará as funções das atuais pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria – e fiel depositário da boa vontade do mercado financeiro com o novo inquilino do Palácio do Planalto, de histórico estatista.
A reforma da Previdência, setor que terminou 2017 com um rombo de 268,8 bilhões de reais, é prioridade para o ajuste fiscal na nova gestão, conforme o próprio Guedes já deixou claro. Ainda não são conhecidos, no entanto, detalhes do projeto que a equipe econômica pretende enviar ao Congresso. Não se sabe, por exemplo, qual seria a idade mínima para as aposentadorias na proposta.
O pouco que se tem conhecimento até o momento é que o “posto Ipiranga” de Bolsonaro na Economia é defensor da migração do atual sistema de repartição, em que trabalhadores da ativa pagam a aposentadoria dos inativos, pelo de capitalização, que consiste em cada trabalhador alimentar uma “poupança” própria para se aposentar, com recursos depositados em uma conta individual.
Com a tradicional relutância dos parlamentares em aprovarem as impopulares mudanças nas aposentadorias, o próprio Jair Bolsonaro já defendeu como caminho menos difícil à reforma que ela seja enviada em fatias ao Congresso. Por esta estratégia, pontos polêmicos, como a idade mínima, seriam apreciados primeiro. Para a aprovação de emendas à Constituição, são necessários 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos.
Além da dificuldade em convencer deputados e senadores a votarem um projeto tão controverso entre os eleitores, o presidente que toma posse nesta terça verá ser posta à prova sua dinâmica de interlocução política com o Congresso. Fiel ao discurso de campanha de pôr fim ao “toma lá, da cá” com o Legislativo, ele relegou os partidos a um segundo plano na montagem do governo e priorizou tratativas com bancadas temáticas, como a ruralista, a da saúde e a evangélica. Quando a equipe ministerial estava quase completa, Bolsonaro enfim se reuniu com partidos como PSDB, MDB, DEM, PSD e PRB.
À mudança no eixo de interlocução parlamentar que o presidente eleito pretende inaugurar, somam-se ainda na lista de riscos políticos assumidos por Bolsonaro a avaliação de congressistas, sobretudo senadores, de que o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), um egresso do baixo-clero, é pouco hábil e conciliador, e a inexperiência do general Carlos Alberto Santos Cruz, indicado para a Secretaria de Governo da Presidência, a outra pasta que cuida da articulação política.
Outro ponto da agenda de Paulo Guedes que demandaria articulação com o Congresso é a de privatizações. Em entrevista a VEJA, o futuro ministro já estimou que há “cerca de 1 trilhão de reais em ativos a ser privatizados, incluindo as ações do Tesouro na Petrobras”.
Combate ao crime
Eleito com o discurso de endurecer o combate ao crime e “jogar pesado” na segurança pública, Jair Bolsonaro terá nesta seara outro grande desafio. O Brasil teve 63.880 mortes violentas intencionais em 2017 e organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção do país, seguem dominando o tráfico de drogas e as rotas que passam pela fronteiras.
Nesta área, assim como no caso de Paulo Guedes na Economia, o presidente eleito optou um superministro: o ex-juiz federal Sergio Moro, que conduzia os processos da Operação Lava Jato em primeira instância em Curitiba, comandará o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, que terá sob sua responsabilidade a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que atua no combate à lavagem de dinheiro; a Secretaria Nacional de Segurança Pública, que controla a Força Nacional de Segurança; o Departamento Penitenciário; a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e a Secretaria Nacional de Justiça.
Moro já indicou a postos-chave no ministério integrantes das investigações da Operação Lava Jato. Para combater as organizações criminosas, o ex-juiz, especializado em crimes de lavagem de dinheiro, defende o uso de inteligência financeira para rastrear e bloquear bens e, assim, asfixiar o poder econômico das facções.
Outra via de combate ao crime proposta por Jair Bolsonaro e já anunciada por ele em sua conta no Twitter, por onde ele se comunica, é a polêmica edição de um decreto que facilite a posse de armas “para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registro definitivo”. “A expansão temporal será de intermediação do executivo, entretanto outras formas de aperfeiçoamento dependem também do Congresso Nacional, cabendo o envolvimento de todos os interessados”, escreveu o presidente no último sábado, 29.
Polêmicas internacionais
Inclinado a um alinhamento internacional a Estados Unidos e Israel, Jair Bolsonaro já declarou que pretende levar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, assim como fez o presidente americano, Donald Trump. Após encontro com Bolsonaro no Brasil, na semana passada, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, disse que o novo presidente reafirmou a decisão.
Embora os israelenses controlem a cidade sagrada desde 1967, os palestinos reivindicam a parte oriental de Jerusalém como capital de um futuro Estado. Ao anunciar sua pretensão depois de vencer a eleição, aplaudido por Netanyahu, Bolsonaro foi alertado pela Liga Árabe de que o movimento diplomático pode estremecer as relações entre o Brasil e países árabes, grandes importadores de carne halal brasileira. O comércio com países de maioria islâmica rendeu um superávit de 7,1 bilhões ao Brasil em 2017.
Em carta ao presidente eleito, a Liga Árabe pede a Bolsonaro para “preservar os laços de amizade e as relações históricas dos países árabes e do Brasil”. Especialistas também veem risco de que a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém possa irritar grupos extremistas e colocar o Brasil na rota do terrorismo internacional.
O viés anti-China do discurso de Jair Bolsonaro pode causar estrago ainda maior à economia brasileira. Em um editorial em outubro, após a vitória eleitoral do presidente brasileiro, o China Daily, jornal estatal chinês, publicou que “ainda que Bolsonaro tenha imitado o presidente dos EUA ao ser vocal e ultrajante para captar a imaginação dos eleitores, não existe razão para que ele copie as políticas de Trump”.
Atacar os chineses, nas palavras da publicação, “pode servir para algum objetivo político específico, mas o custo econômico pode ser duro para a economia brasileira, que acaba de sair de sua pior recessão da história”.