O Supremo Tribunal Federal é uma corte imperfeita. Ninguém desconhece que seus ministros falam demais, assumem protagonismo indevido em certas questões nacionais e, numa demonstração de que não têm nada de supremos, já trocaram ofensas de botequim diante das câmeras da TV Justiça. A própria Corte tem defeitos evidentes. Deveria ser um tribunal encarregado de lidar apenas com questões constitucionais, mas acaba julgando até furto de sabonete em supermercado. Ao sabor de sua crise de identidade, comporta-se ora como um tribunal político, ora como um tribunal técnico. Embora o STF seja a mais alta instância da Justiça brasileira, obviamente seus integrantes não estão acima da lei. Podem e devem ser investigados como qualquer cidadão. Podem perder o cargo. Podem ser condenados. Podem ser presos. Tudo isso é sabido.
Outra coisa, bem diferente, é apontar os defeitos do STF, seja sobre o papel da Corte, seja sobre o comportamento de seus magistrados, apenas para degradar a instituição, fragilizá-la e desmoralizá-la, com o objetivo oculto de subordiná-la a interesses políticos, corporativos ou ideológicos. Isso não pode. Na atual onda de ataques e ameaças que o Supremo vem sofrendo — sobretudo de políticos e procuradores, que acabam por atrair parcelas expressivas da opinião pública —, há quem esteja jogando esse jogo espúrio. Um jogo que costuma ser o primeiro passo de autocracias e ditaduras de esquerda ou de direita.
De modo grotesco, foi o que se viu na Venezuela, onde o chavismo trocou o nome da Corte, ampliou o número de juízes, fez e aconteceu — e, assim, montou um tribunal que não passa de braço auxiliar do regime. O caso da Polônia está mais distante, mas é igualmente didático. Sob o comando de um partido nacionalista de extrema direita, o governo polonês aposentou compulsoriamente um terço dos 72 magistrados, alegando que tomavam decisões descabidas e não julgavam com isenção. Em nome da democracia, a União Europeia forçou a Polônia a voltar atrás.
A independência da Justiça e a liberdade de decisão dos juízes formam um pilar fundamental do regime democrático. Diante disso, faz toda a diferença distinguir entre o joio e o trigo. Distinguir entre aqueles que defendem, honestamente, um papel mais eficaz do STF no combate à corrupção e aqueles que, usando a bandeira da ética, estão empenhados mesmo em manietar a Corte e orientar politicamente suas decisões, como em uma Venezuela, uma Polônia. Esse é o jogo espúrio e antidemocrático.
Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627