O PSL não descarta a volta de Bolsonaro, mas deve impor condições
O sigla manda o recado de que a contrapartida não será pequena
Em 2018, Jair Bolsonaro fez o PSL, partido ao qual se filiou para disputar a Presidência da República, mudar de status, passando da condição de nanico para a de uma das maiores legendas do país. Embalada pela campanha vitoriosa do ex-capitão, a sigla — que elegeu um único deputado federal em 2014 — conquistou a segunda maior bancada da Câmara, com 52 integrantes, ficando atrás apenas do PT, com 56. Esse salto garantiu acesso privilegiado aos cofres públicos ao PSL, que passou a receber só de fundo partidário cerca de 200 milhões de reais por ano — 50 milhões de reais a mais do que o valor destinado ao poderoso MDB. A parceria com Bolsonaro parecia certeira para ambos os lados e tinha tudo para ser duradoura. Não foi. Em novembro de 2019, o presidente deixou o partido após uma disputa interna com Luciano Bivar, o comandante do PSL, e começou a trabalhar pela formação de uma nova legenda, a Aliança pelo Brasil, com a qual pretendia concorrer à reeleição. Como a nova agremiação ainda não saiu do papel, interlocutores de Bolsonaro procuraram os antigos aliados para sondá-los sobre a possibilidade de o mandatário voltar à velha casa. As conversas estão em curso, mas uma coisa é certa: a reconciliação não será fácil e, se ocorrer, será a um custo bastante alto.
Um dos principais entusiastas do retorno do presidente ao PSL é o senador Flávio Bolsonaro, hoje no Republicanos. Reconhecidamente o filho mais afeito à negociação política, o Zero Um alega que o pai precisará da estrutura de um partido de grande porte para aumentar as suas chances de vencer a corrida presidencial. Precisará de tempo de televisão e de recursos de fundos públicos comparáveis aos reservados ao PT do ex-presidente Lula, que desponta como o principal adversário de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto. O PSL seria a melhor opção, por enquanto, para que fosse garantida uma igualdade de condições entre os dois favoritos, já que as outras legendas com as quais o presidente flerta são basicamente pequenas, como o PRTB, o Patriota e o Partido da Mulher Brasileira. Flávio costuma alegar que, ao contrário do que ocorreu em 2018 — quando Bolsonaro despontou como azarão e venceu sem estrutura partidária graças a uma conjuntura favorável —, em 2022 ele enfrentará um rival petista bem mais forte e terá de contar com uma estrutura de ponta para “defender e atacar”. Defender-se, por exemplo, da acusação de ser o principal responsável pelo descontrole da pandemia no Brasil. E atacar Lula com as acusações de corrupção que pesam contra o ex-presidente.
Bolsonaro sabe que pode conseguir tempo de propaganda e recursos públicos mesmo se optar por uma legenda menor, desde que consiga atrair para a sua coligação partidos maiores, como a turma do Centrão, que hoje o apoia no Congresso. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), já disse que gostaria de tê-lo como correligionário. A dúvida é sobre o grau de sinceridade dessa cortesia. No caso das conversas com o PSL, os maiores obstáculos estão, por enquanto, do lado do partido. A saída de Bolsonaro não foi pacífica. Antes de formalizá-la, ele passou a disputar com Luciano Bivar o controle da máquina partidária. Numa conversa gravada, o presidente disse a um apoiador para “esquecer” o PSL e acrescentou que Bivar estaria “queimado”. Dias depois, bolsonaristas retiraram um antigo esqueleto do armário e acusaram Bivar de matar uma amante na década de 80 e de usar a sua influência política para impedir o avanço das investigações e escapar da acusação de homicídio.
Outros episódios dificultam um novo acerto entre as partes. O partido se sentiu preterido na formação do governo e disse que o presidente privilegiou outras legendas, como DEM e MDB, que não o apoiaram em 2018, na nomeação para cargos importantes. Pragmática, a cúpula do PSL também se apega a um cálculo político. Ela sabe que tem ativos poderosos — tempo de TV e recursos dos fundos públicos — e acredita que será cortejada por diferentes candidatos à Presidência. Por isso, pretende ouvir as propostas de aliança dos nomes da centro-direita ao Palácio do Planalto e sonha até com a possibilidade de conquistar um posto de vice numa chapa presidencial. Essa vaga de vice se tornará praticamente impossível se Bolsonaro estiver filiado ao partido. Hoje, o cenário é claro: o PSL quer ser a noiva cobiçada por PSDB, DEM e companhia. Quer se juntar a quem oferecer o maior dote. Uma aliança com Bolsonaro não está descartada, mas o PSL prefere que, se for sacramentada, seja com o presidente em outra agremiação, o que o obrigará a fazer concessões muito maiores do que as feitas na eleição passada. A conta de uma eventual reconciliação promete ser cara.
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738