Na história do Judiciário brasileiro nunca se viu nada igual. Como relator do inquérito que investiga a ação de grupos que insuflam atos antidemocráticos, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mandou prender um deputado, bloqueou contas de empresários, proibiu parlamentares de se expressarem nas redes sociais, expediu dezenas de mandados de busca contra militantes bolsonaristas envolvidos em ações consideradas golpistas. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o magistrado também foi protagonista. Além da defesa intransigente, importante e absolutamente correta da lisura das urnas eletrônicas, durante a campanha o ministro votou para impedir a exibição na TV de um documentário supostamente pró-Bolsonaro às vésperas das eleições e patrocinou uma resolução que permitiu a retirada imediata de conteúdos de sites com críticas ao PT e a Lula — decisões controversas que lhe renderam acusações de que atuaria com parcialidade. Na segunda-feira 12, durante a solenidade de diplomação do presidente eleito, Moraes foi ovacionado pelos convidados depois de um discurso que chamou a atenção pelo conteúdo e por ter sido mais longo do que o do próprio dono da festa.
No papel de xerife da democracia e fiador da soberania expressa nas urnas, coube ao magistrado lembrar a rédea curta da Justiça contra grupos organizados que atuaram de alguma forma contra a normalidade do pleito e anunciar que todos, sem exceção, serão responsabilizados pelos seus atos. Uma advertência? Certamente. Pelo terceiro ano seguido, ninguém provocou tanta dor de cabeça a Jair Bolsonaro e sua grei quanto Alexandre de Moraes. Por centralizar as investigações da maioria dos casos que envolvem o mandatário e sua militância, ele conhece como poucos o modus operandi dos soldados da guerrilha antidemocrática e de personagens como os que incendiaram a região central de Brasília horas após a diplomação de Lula. Na quinta-feira 15, o ministro expediu 104 mandados de busca contra supostos incentivadores e financiadores de bloqueios nas rodovias. A todos que lhe perguntam o que esperar em relação a Bolsonaro e seus filhos em 2023, Moraes recorre ao que parece ser uma charada. “Eles sabem o que fizeram”, diz, sem fornecer pistas sobre a que exatamente se refere. O alerta, no entanto, deixa claro que o fim do atual governo não significa um cessar-fogo. Pelo contrário.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821