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O pobre homem rico

Joesley Batista, o delator bilionário, vive recluso, sofre ameaças, tem medo de ser assassinado e acredita que o procurador-geral sabotou sua colaboração

Por Daniel Pereira Atualizado em 5 abr 2019, 09h47 - Publicado em 5 abr 2019, 07h00

Nome: Joesley Batista
Idade: 47 anos
Profissão: Empresário
Patrimônio: 5 bilhões de reais*
Situação: Aguardando a ratificação de seu acordo de delação premiada

* É um dos cinquenta brasileiros mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes


O empresário Joesley Batista, de 47 anos, é protagonista de um ineditismo na história brasileira. Foi com base em seu acordo de colaboração que a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou pela primeira vez um presidente no exercício do mandato. Desde que Michel Temer foi denunciado, em junho de 2017, delator e delatado vivem sob tormenta. Acusado de ser o destinatário final de uma mala com 500 000 reais de propina da JBS, Temer até se livrou do impeachment na Câmara, mas não escapou do encontro de contas com a Justiça após o término de seu governo. Em 28 de março, o ex-­presi­dente virou réu sob a acusação de corrupção passiva justamente no caso da mala. Já Joesley ficou seis meses preso depois de ser acusado pela PGR de omitir informações em sua delação. Solto, passou a usar tornozeleira, sentir-se ameaçado e viver recolhido em sua mansão, em São Paulo. Mesmo autorizado pela Justiça, evita sair à rua porque se considera um arquivo vivo e tem medo de ser assassinado. Sente-se, como ele mesmo diz, um prisioneiro da própria delação.

Homologados em maio de 2017, os acordos de colaboração dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e de cinco funcionários da JBS, descrevem o repasse de 1 bilhão de reais a políticos e servidores públicos, entre doações oficiais, caixa dois e propinas. Em troca da confissão desse esquema monumental de corrupção, os delatores receberam “imunidade processual”, o que equivale a uma promessa de perdão. Parecia mais um negócio perfeito fechado pelos irmãos, mas essa percepção começou a ruir rapidamente. Tão logo a existência da delação foi divulgada, a PGR levantou o sigilo dos segredos revelados pelos delatores, sem fazer prisões nem operações de busca e apreensão contra boa parte dos delatados. Joesley se sentiu exposto diante de um exército de desafetos poderosos. Seu raciocínio era o seguinte: como ainda tinha muito a esclarecer sobre cada crime, seria conveniente para os alvos da delação matá-­­­lo, o que levaria as denúncias para o arquivo por falta de provas.

INFLEXÃO – Villela e Janot: o empresário desconfia de sabotagem depois que sua delação envolveu um membro do Ministério Público (Pedro Ladeira/Folhapress - Sergio Lima/Folhapress)

Essa lógica atormenta até hoje o empresário, que reclamou, em depoimento à Justiça, de ainda não ter sido chamado para prestar esclarecimentos sobre pontos cruciais de sua colaboração, composta de 118 anexos, como são chamados os capítulos que trazem os segredos da delação. “Eu não sei se tenho medo dos bandidos ou dos delatados. Eu não posso sair na rua”, disse Joesley, em dezembro passado, no processo cujo relator é o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). “A minha família é grande, viu, doutor, tem mais de cinquenta pessoas. Eu não botei só a minha vida em risco não, foi a de todo mundo”, completou. Dono de uma fortuna estimada em 5 bilhões de reais pela revista Forbes, Joesley costumava frequentar bares e restaurantes e vivia sem grandes aparatos de segurança. Era festeiro. A delação mudou sua rotina, que consiste hoje, basicamente, em matar o tempo. Mudou também seu visual. Desde o último Natal ele cultiva uma barba. Só sai de casa para levar o filho mais novo à escola, visitar os pais ou acompanhar a esposa em exames de pré-natal, se realizados em clínicas nas quais o empresário possa transitar com discrição. Será o segundo filho do casal e o quinto de Joesley, que já tem três netos.

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Em suas raras andanças, Joesley circula num Porsche Cayenne blindado, sempre com seguranças. Hoje, são doze, que trabalham em grupos de três ou quatro. Para dormir, o que antes fazia sem dificuldade, o empresário recorre a remédios. Já experimentou medicamentos tarja-­preta e soluções naturais. Mesmo assim, o sono nem sempre é tranquilo. Sonha com brigas, confusões e situações de conflito, em mais um sintoma do temor permanente de ser atacado — seja por alguém a mando de um poderoso, seja por um desequilibrado qualquer. Vive em estado de apreensão. Depois de ter sido liberado da prisão, a polícia bateu em sua mansão, por noites seguidas, para checar alegadas denúncias de tentativa de invasão da propriedade. O empresário deu ordem aos seguranças de não abrir a porta, por receio de que os policiais forjassem um tiroteio que terminasse com apenas um morto — ele próprio. Não foi o único episódio a assustá-lo. Às vésperas do julgamento de um pedido de liberdade do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, implicado na delação do empresário, uma pessoa ligou para um apartamento de Joesley em Salvador dizendo que “Eduardo” voltaria para Brasília. O caso foi notificado à Justiça.

MISTÉRIO – O ex-presidente Michel Temer e a famosa mala com 500 000 reais: os chips que serviriam para monitorar as notas nunca apareceram (Ricardo Moraes)

Quando estava preso na carceragem da Polícia Federal em São Paulo, Joesley ouviu que, ao aderir à colaboração, não estava trilhando um bom caminho. Entendeu a mensagem como uma ameaça, e não como um conselho. Nos seis meses em que ficou atrás das grades, sua prioridade era manter-se vivo. Em mais de uma ocasião, alertou o carcereiro do período noturno de que este não havia trancado a cela. O descuido poderia ser proposital, uma maneira de facilitar um ataque. Na dúvida, era melhor prevenir.

Joesley foi preso em setembro de 2017, depois de a PGR acusá-lo de omitir informações na delação. A Procuradoria, à época comandada por Rodrigo Janot, também pediu a rescisão do acordo de colaboração, que, se for aceita, acabará com a imunidade judicial concedida ao empresário. Dentro da JBS, diz-se que a PGR mudou de postura. No início, era parceira. E virou adversária, depois que os delatores acusaram um procurador, Ângelo Goulart Villela, de receber propina de 50 000 reais mensais para passar informações privilegiadas à JBS. Villela foi integrante da força-tarefa da Operação Greenfield, que apura desvios de recursos de fundos de pensão para empresas dos irmãos Batista, e era amigo de Eduardo Pelella, o braço-direito de Janot na PGR.

LAVA-JATO – O relator do caso, ministro Fachin (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Para justificarem a tese de sabotagem, defensores da JBS costumam elencar uma série de estranhezas. Os advogados contam que, na ação planejada para pegar Villela em flagrante, os policiais destacados levaram gravadores que não funcionavam. A ação só deu certo porque o então vice-­presidente jurídico da JBS, Francisco de Assis e Silva, também delator, levou um gravador por conta própria e fotografou Villela na cena do crime. Outro episódio citado se refere à famosa mala com 500 000 reais de propina que foi entregue a Rodrigo Rocha Loures, à época assessor de Temer. Durante a preparação da ação, autoridades afirmaram aos delatores que pelo menos 200 notas receberiam chip, a fim de facilitar o rastreamento do carregamento. Diz-se na JBS que ou os chips não funcionaram, ou não foram colocados nas notas, ou os investigadores esconderam o que descobriram. Na empresa, também sempre é lembrado o fato de o sigilo da delação ter sido levantado antes de Joesley se encontrar com Temer em Nova York, onde os dois tratariam da propina dada a Rocha Loures.

LAVA-JATO – O depoimento do empresário ao STF: “Eu não sei se tenho medo dos bandidos ou dos delatados” (//.)

Em seu depoimento à Justiça, Joesley não reproduziu aquilo que seus advogados afirmam em conversas reservadas, mas tangenciou a suspeita de sabotagem: “Eu posso falar de erros da PGR aqui também. Por que eles deixaram vazar esse troço? Eu vou chamar que é má-fé deles, pô? Não, não é razoável”. Em outro momento, acrescentou: “Ele (Ministério Público) já me denunciou usando provas minhas. Eu acho que isso é má-fé? Não, eu acho que é o sistema do Ministério Público que ainda não está azeitado”. A repetição do termo “má-fé” não é à toa. Janot usou essa expressão para acusar Joesley de omitir informações em sua delação e pedir a rescisão do acordo. Atual comandante da PGR, Raquel Dodge ratificou o pedido do antecessor. Joesley alega que não houve omissões e que ele mesmo entregou aos procuradores as informações que, posteriormente, foram usadas para desqualificá-lo. “Eu fiz um negócio com o Estado brasileiro, com a maior autoridade do Ministério Público do país. Eu vendi um produto. Eles me pagaram”, declarou Joesley à Justiça, defendendo a validade de sua imunidade. A decisão final sobre o caso deverá ser tomada pelo STF no segundo semestre. Temente a Deus, Joesley reza para se livrar em definitivo da prisão e de sua própria delação. Procurado, o empresário não quis se manifestar.

Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629

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