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O governo em 2020: articulação política frágil, Congresso ainda mais forte

Há quem diga que Bolsonaro não abandonará a disposição para o combate com o Legislativo quando se sentir contrariado; se fizer isso, vai errar feio

Por Edoardo Ghirotto, João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h08 - Publicado em 10 jan 2020, 06h00

No jogo político de Brasília, membros dos mais diferentes partidos vêm apostando suas fichas de como será a relação de Bolsonaro com o Poder Legislativo após a conturbada experiência do primeiro ano de mandato, que o transformou no presidente em primeiro ano de mandato com o pior desempenho para aprovar medidas provisórias no Congresso. Mesmo a vitória na reforma da Previdência, o feito mais importante de 2019, só foi possível graças ao engajamento de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, os presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, que compraram a pauta e usaram sua influência para aprová-la. Há quem diga que Bolsonaro, um ex-capitão do Exército de 64 anos, não abandonará a disposição para o combate quando se sentir contrariado. Se fizer isso, vai errar feio. A hora é de compor e aproveitar que boa parte das lideranças parlamentares está disposta a bancar a agenda liberal do governo.

Fato é que 2020 começa com Bolsonaro enviando sinais de fumaça branca aos congressistas. Ele contrariou o ministro da Justiça, Sergio Moro, ao aprovar a inclusão dos juízes de garantias no pacote anticrime, entrou em acordo com os presidentes da Câmara e do Senado sobre vetar o fim dos subsídios aplicados à energia solar e disse que sancionará a criação do fundo de 2 bilhões de reais para abastecer campanhas eleitorais. No último caso, para não perder o hábito de provocar confusão mesmo quando o problema está resolvido, Bolsonaro causou indisposição entre parlamentares ao afirmar que só avalizaria o “fundão” para não sofrer um impeachment nem virar refém de Maia.

A verdade é que, desde os tempos de Ulysses Guimarães, o Brasil não tem um Congresso tão protagonista e independente do Executivo quanto na atual legislatura. Em várias oportunidades ao longo de 2019, o Parlamento atuou como poder moderador, pondo freio nos excessos do governo. Pouco afeito à articulação política e a constituir uma base de apoio (chegou a dinamitar o próprio partido para lançar sua nova sigla, a Aliança pelo Brasil), Bolsonaro apostou em priorizar bancadas temáticas e formar maiorias ocasionais em votações de pautas de seu interesse. A tática deu errado e teve ainda o efeito colateral de soltar de uma vez as amarras do Congresso. A debilidade política do Planalto colaborou para que até mesmo a aprovação da principal bandeira legislativa do presidente em 2019, a reforma da Previdência, acabasse justamente como a maior prova de empoderamento do Legislativo. “Por culpa do presidente, esse movimento é irreversível e deve ficar ainda mais evidente em 2020”, afirma a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Brazil’s Minister of the Secretariat of Government Luiz Eduardo Ramos is seen on his motorcycle outside the Alvorada Palace after a meeting with Brazil’s President Jair Bolsonaro (not pictured), in Brasilia
PILOTO - Ramos: cuidar da articulação do governo é ser “surfista de tsunami” (Adriano Machado/Reuters)

Em 2020, o Legislativo terá pela frente outras medidas econômicas propostas pelo governo, mas sem contar com a mesma unidade de pensamento vista no trâmite da Previdência. Fundamental para o desenvolvimento do país, a lista é encabeçada pela reforma tributária, tema já discutido em duas PECs e sobre o qual a equipe de Paulo Guedes ainda não apresentou sua proposta definitiva. Também devem ser analisadas pautas como a reforma administrativa elaborada pelo governo, que prevê o fim da estabilidade a novos servidores públicos, a autonomia do Banco Central, a PEC que permite a estados e municípios aderir à reforma previdenciária e o Plano Mais Brasil, aposta de Guedes para “transformar o Esta­do brasileiro”, reduzindo despesas, extinguindo fundos públicos não constitucionais e reajustando o pacto federativo. Com uma agenda tão exten­sa e a abreviação das atividades parlamentares para até julho, devido às eleições municipais, o poder da cúpu­la do Congresso cresce junto ao governo na medida em que é ela quem define o que irá ou não para votação. Maia já manifestou que entre as prioridades estão as reformas tributária e administrativa e a autonomia do BC.

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Além do tempo curto, um novo fator que fortalece o Congresso ante o Palácio do Planalto é a aplicação do Orçamento impositivo — uma mudança importante na dinâmica de poder que passou totalmente despercebida aos governistas. Como já acontece com as emendas parlamentares individuais, o pagamento das emendas destinadas a bancadas se torna obrigatório. É mais uma moeda de barganha perdida pelo Executivo nos momentos em que precisará convencer deputados e senadores a votar de acordo com seus interesses. “O Orçamento impositivo tirou do Poder Executivo a liberdade, a flexibilidade e a capacidade de gestão”, diz o professor da FGV Ernesto Lozardo. Essa modalidade causará drásticas mudanças, por exemplo, na relação entre ministros e parlamentares. No ano passado foram poucos os titulares de pastas que abriram as portas dos gabinetes para políticos. “Agora, eles terão de sentar e dialogar”, afirma o deputado federal Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO), que relatou a PEC do Orçamento impositivo. Se não adotarem uma postura mais diplomática, correrão o risco de que obras estruturantes fiquem sem recursos caso congressistas decidam aplicá-los em projetos de interesse próprio nos seus currais eleitorais. Alguns ministros já se adiantaram e buscaram maior aproximação com os parlamentares para evitar a paralisia de seus projetos. O titular da pasta de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, por exemplo, desde setembro tem se reunido com deputados e senadores para discutir projetos de sua área.

Dentro desse ambiente ainda de estranhamento entre o Poder Executivo e o Legislativo, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, pasta responsável pela aprovação de pautas do governo e por azeitar o relacionamento com os parlamentares, colocou os pés em 2020 com três prioridades. A primeira delas envolve convencer Bolsonaro de que é preciso atender líderes de partidos e outros parlamentares para destravar a pauta no Legislativo. “Nenhum político quer estar afastado do presidente”, afirma, sabiamente, Ramos. Ele também tem analisado tecnicamente as indicações políticas para cargos comissionados, uma linguagem que sempre amacia o Congresso. Antes da virada do ano, Ramos oficializou nada menos que 400 novas indicações realizadas por aliados do governo. Em paralelo, ele se movimenta para arcar com as promessas que o último articulador, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fez na época da reforma da Previdência. A principal pendência é o pagamento de 20 milhões de reais em emendas extras a quem votou com o governo. Ramos já até conversou com Paulo Guedes para tentar quitar a dívida antes do encerramento do semestre. “Estou fazendo das tripas coração”, afirma o ministro. Não por acaso, ele recentemente comparou o desafio de fazer a articulação política do governo a ser “surfista de tsunami”. É melhor então se preparar para enfrentar um mar revolto daqui por diante. Em 2020, o Congresso estará ainda mais poderoso (e menos disposto a dar vitórias a Bolsonaro, caso ele continue a desdenhar da classe política).

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Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669

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