Márcio França (PSB) é um hábil político que carrega no currículo atuações bem-sucedidas nos bastidores partidários e eleitorais. Nesta eleição, foi um dos responsáveis por unir Geraldo Alckmin (PSB), de quem foi vice-governador entre 2015 e 2018, a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em uma até então improvável chapa presidencial. Antes, articulou a ampla composição de legendas que levou João Doria (PSDB) à inédita vitória dos tucanos no primeiro turno na eleição da prefeitura da capital paulista, em 2016. Depois de ensaiar uma tentativa de volta ao Palácio dos Bandeirantes neste ano (em 2018 perdeu a reeleição para Doria), desistiu da empreitada em prol da chapa liderada por Fernando Haddad (PT). Hoje, lidera as pesquisas para o Senado, com 28% das intenções de voto, segundo o instituto Real Time Big Data, quase o dobro do registrado pelos adversários mais próximos. Em meio a esse momento favorável, com perspectivas reais de obter uma vaga no Congresso (e até em um ministério, num eventual governo Lula), França está tendo, no entanto, de lidar com um fantasma que o assombra desde o fim do ano passado.
O pesadelo começou quando um magistrado de Santos autorizou uma busca e apreensão pedida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público em seu apartamento em São Vicente, no litoral paulista, para apurar indícios de que ele participaria de um esquema de desvios de recursos públicos na área da saúde. A decisão foi cumprida em 5 de janeiro. França foi à Justiça para tentar colocar um ponto-final na apuração, mas, em 23 de junho, o desembargador Newton Neves, do Tribunal de Justiça de São Paulo, rejeitou seu pedido, sem entrar no mérito do processo, mas alegando que a ação era importante para a investigação.
Para embasar o pedido de incluir França no rol de investigados da Operação Raio-X, os policiais usaram grampos telefônicos autorizados pela Justiça em que o nome do ex-governador é citado por outros personagens, como Cleudson Garcia Montali, médico condenado a mais de 200 anos de prisão e apontado como o líder de uma organização criminosa que desviou 500 milhões de reais por meio de contratos de organizações sociais. O irmão de Márcio, Cláudio Luiz França Gomes, réu em duas ações recentes de improbidade administrativa, também foi alvo da ação. Nos autos que embasaram a busca, não há áudios, mensagens de textos nem pagamentos diretos a França, apenas citações que supõem a proximidade de investigados com o então governador. Um deles, de nome Régis, diz a um interlocutor que se “Márcio França for eleito (em 2018), teremos a saúde do estado de São Paulo em suas mãos”.
A ação policial provocou prejuízos materiais imediatos a França. Foram apreendidos notebook, celular, joias e cerca de 2 000 euros, que estavam em uma bolsa de viagem da sua esposa, Lúcia França (candidata a vice-governadora na chapa de Haddad). Mas França já sabia qual seria o maior dano e, de imediato, chamou a investigação de “operação política”. “Não há outro nome para uma trapalhada, por falsas alegações, que determinadas autoridades, com medo de perder as eleições, tenham produzido os fatos ocorridos nesta manhã em minha casa”, disse à época. Logo depois, sua defesa entrou com o pedido de anulação, alegando não haver indícios concretos contra ele. Também afirma que seu cliente não é réu, nem denunciado e não foi ouvido. Além disso, cita outra decisão judicial, de dezembro de 2020, que determinou buscas nas casas de Cleudson e outros envolvidos em desvios de recursos da saúde em Carapicuíba (SP), mas que deixou França de fora. “A imputação trazida pelo Ministério Público é a de que o representado Márcio França teria uma participação como mandante ou beneficiário da fraude, mas sem trazer elementos mínimos nesse sentido”, disse então o juiz de Carapicuíba — os argumentos, no entanto, foram aceitos pelo magistrado de Santos.
A ligação de Márcio França com Cleudson, embora sua defesa alegue que foram apenas encontros fortuitos, chamou atenção dos investigadores. Um despacho assinado por França em 2018 reconduziu o médico ao cargo de diretor do Departamento Regional de Saúde de Araçatuba (SP). Ele havia sido exonerado por suspeita de cometer atos de improbidade administrativa. França afirmou haver pareceres internos favoráveis à revogação, mas a Corregedoria-Geral da Administração paulista disse que a informação não procede. Cleudson foi exonerado definitivamente em 2020. Outra ligação foi uma doação de 5 000 reais que Cleudson fez a França na eleição de 2020. Segundo a defesa do ex-governador, o valor é irrisório e se refere à compra de um jantar da campanha, como forma de arrecadar fundos.
Não ter conseguido brecar a investigação pode não ter sido o último revés para França. Outro personagem da história, o médico Franklin Cangussu Sampaio, que foi flagrado pela Raio-X em conversas com Cláudio França sobre cargos no governo, além de ter sido alvo da busca e apreensão que envolveu o ex-governador, é visto como alguém prestes a fazer delação premiada. Procurado por VEJA, Sampaio não se pronunciou. Se a expectativa se concretizar, França terá de carregar um lento inquérito nas costas por mais tempo — e com potencial para trazer novas más notícias no período crítico da campanha.
Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804