Até o momento em que cravou 55% dos votos válidos a seu favor na disputa do segundo turno, Jair Messias Bolsonaro, de 63 anos, só tinha motivos para comemorar sua eleição para ser o 38º presidente da República Federativa do Brasil. Sua vitória — que parecia impossível, tornou-se improvável, depois possível e evoluiu para provável até chegar ao estágio de inevitável — é um triunfo que atropelou todos os dogmas eleitorais. Bolsonaro venceu mesmo com uma coligação partidária raquítica, dinheiro contado e escassos oito segundos de televisão no horário eleitoral gratuito no primeiro turno. Mas, a partir desta semana, a celebração do sucesso eleitoral já começa a ceder lugar às providências necessárias para que seu governo esteja capacitado para encarar os desafios — imensos desafios — que terá pela frente.
Como Bolsonaro vai enfrentar os problemas da economia, depois de uma recessão cruel e uma taxa de desemprego em níveis inaceitáveis? Como pretende atacar o monumental déficit da Previdência Social, o ponto nevrálgico do descalabro fiscal do país? Como vai lidar com um Congresso Nacional que receberá um punhado significativo de caras novas e uma divisão ideológica claramente demarcada? Como vai controlar os radicais que o apoiam e que, antes mesmo da vitória, ajudaram a disseminar a desconfiança sobre a aptidão democrática de seu governo?
Em seu primeiro pronunciamento depois da consagração nas urnas, transmitido através de um vídeo caseiro, Bolsonaro agradeceu “o apoio, as orações e a confiança” e disse: “O que mais quero (…) é colocar o nosso Brasil num lugar de destaque”. Depois, lendo um discurso para eleitores e aliados à porta de sua casa no Rio, o presidente eleito selou um compromisso alentador: “Faço de vocês minhas testemunhas de que este governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade”. E, em seguida, completou: “Isso é uma promessa, não de um partido, não é a palavra vã de um homem, é um juramento a Deus”.
Até o dia da posse, em 1º de janeiro, e mesmo depois disso, o presidente eleito terá múltiplas oportunidades para dirimir muitas das dúvidas que ainda persistem sobre suas reais convicções — políticas e econômicas. Alvo de um atentado antes do primeiro turno, Bolsonaro não participou de debates, evitando expor-se ao contraditório, não deu maiores explicações sobre seus afagos à ditadura militar e à tortura, e concedeu raras entrevistas, quase sempre em circunstâncias calculadamente amigáveis, deixando incertezas sobre sua abrupta inflexão à economia liberal.
Agora, além da tarefa de começar a constituir sua equipe ministerial — na qual desponta a estrela do economista Paulo Guedes, cotado para reunir superpoderes —, Bolsonaro, com sua vitória nas urnas, ganhou simultaneamente o direito e o dever de transformar-se em presidente de todos os brasileiros, incluindo os 47 milhões de eleitores que votaram em seu adversário, o petista Fernando Haddad. Superado o clima passional da campanha eleitoral, o presidente eleito deverá tomar para si a missão de acalmar os ânimos e baixar os decibéis de sua retórica — coisa que já prometeu fazer. É um sinal necessário. Quanto mais bem-sucedido Bolsonaro for nessa missão, mais serena e mais eficaz deverá ser sua Presidência.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição especial nº 2606