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Nem Átila

Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618

Por J.R. Guzzo Atualizado em 18 jan 2019, 07h00 - Publicado em 18 jan 2019, 07h00

É realmente uma canseira, mas não tem outro jeito. Cada vez que você vai escrever ou falar alguma coisa sobre a imprensa no Brasil, é preciso explicar direitinho, se possível com desenho e quadro-negro, que o autor não é — repetindo: não é, de jeito nenhum, nem pensem numa coisa dessas — contra a liberdade de imprensa. Não está pedindo a volta da censura, mesmo porque seria legalmente impossível. Não quer a formação de uma polícia para fazer o “controle social dos meios de comunicação”. Não está “a favor dos militares e contra os jornalistas”. Não acha, pelo amor de Deus, que é preciso fechar nenhum jornal, revista, rádio, televisão, folheto de grêmio estudantil ou seja o que for. Não lhe passa pela cabeça sugerir aos donos de veículos e aos jornalistas que publiquem isso ou deixem de publicar aquilo; escrevam em grego, se quiserem, e tenham toda a sorte do mundo para encontrar quem leia. Com tudo isso bem esclarecido, então, quem sabe se possa dizer que talvez haja um ou outro probleminha com a imprensa brasileira de hoje. Um deles é que a mídia está começando a revelar sintomas de Alzheimer, ou de alguma outra forma de demência ainda mal diagnosticada pela psiquiatria.

É chato lembrar esse tipo de coisa, mas também não adianta fazer de conta que está tudo bem quando dizem para você dia e noite, 100 000 vezes seguidas, que o novo governo brasileiro provou ser o pior que a humanidade já teve desde Átila, o Huno. Não faz nexo. Até Átila precisaria de mais de duas semanas de governo para mostrar toda a sua ruindade — e olhe que ele foi acusado de comer carne humana e andava cercado de lobos, em vez de cachorros, sendo que nenhum dos seus lobos era bobo o suficiente para chegar perto do dono quando sentia que o homem não estava de muito bom humor naquele dia. Além disso, errar em tudo é tão difícil quanto acertar em tudo. Talvez fosse mais racional, então, recuar para uma antiga regra da lógica: as ações devem ser julgadas pelos resultados concretos que obtêm, e não por aquilo que você acha delas. Um governo só pode ser avaliado depois que se constate se as coisas melhoraram ou pioraram em consequência das decisões que pôs em prática. O número de homicídios, por exemplo — aumentou ou diminuiu depois de doze meses? A inflação está em 2% ou em 20%? O desemprego caiu ou subiu? E por aí vamos.

“A condenação começou no dia da posse de Bolsonaro e não parou mais”

Mas essa lógica não existe no Brasil de hoje. Está tudo errado, 100% errado, porque é assim que decreta o estado de alma dos proprietários dos veículos e dos jornalistas que empregam — e não porque eles mediram algum resultado concreto. Ou seja: ainda não aconteceu, mas o governo já errou. A condenação começou no dia da posse de Bolsonaro e dali até hoje não parou mais. Os jornalistas, denunciou-se já nos primeiros minutos, não receberam instalações à altura de sua importância para a sociedade. Donald Trump não veio. O discurso de estreia foi ruim — embora não se tenha publicado uma sílaba de algum discurso presidencial anterior, para que se pudesse fazer uma comparação. Há generais em excesso no governo — e qual seria o número ideal de generais no governo? A média das administrações de Sarney para cá? A média mundial? O que é pior: o general A, B ou C ou os ministros Geddel, Palocci ou Erenice? Há poucos nordestinos. O ministro do Ambiente acha que esgotos ou coleta de lixo, por exemplo, são problemas ambientais sérios. Conclusão: ele vai abandonar a Amazônia para os destruidores de florestas.

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Como o doente que repete sem parar a mesma coisa, não consegue descrever o que vê pela janela, e esquece tudo o que lhe foi demonstrado um minuto antes, a imprensa travou. A prisão do terrorista Cesare Battisti foi uma “derrota” para Bolsonaro; imaginava-se que teria sido uma derrota para Battisti, mas a mídia quer que você ache o contrário. O acesso a armas de fogo para que um cidadão (só aquele que queira) tenha a chance de exercer o direito de legítima defesa antes de ser assassinado vai desencadear uma onda de homicídios jamais vista na história. Como as armas de fogo são caras, denuncia-se que a medida é “pró-elites”. E se vierem a baixar de preço? Passarão a ser melhores? Quando alguém começa a escrever coisas assim, e faz isso o tempo todo, é porque parou de pensar; o cérebro não está mais ligando Zé com Zé. É um problema. Os leitores, cada vez mais, estão percebendo que a imprensa é inútil. Não só eles. No dia em que o governo descobrir que não precisa mais prestar atenção à mídia, vai ver que está perdendo uma montanha de tempo à toa.

Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618

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