O prefeito de Campinas e presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Jonas Donizette (PSB), tornou-se uma das vozes mais críticas ao discurso contra o isolamento social encampado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No último dia 27, assinou uma carta na qual a FNP pede que o presidente responda — oficialmente — em quais informações se baseou para afirmar que as pessoas devem voltar ao trabalho, deixando o isolamento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo próprio Ministério da Saúde. Na carta, prefeitos de mais de 500 municípios, incluindo todas as capitais, instaram o governo federal a se responsabilizar oficialmente pelo fim ao isolamento e, caso isso aconteça, que também se responsabilize pelo atendimento aos infectados e pelas mortes provocadas pela doença. Em Campinas, cidade de 1,5 milhão de habitantes, apoiadores do presidente convocaram pelas redes sociais uma carreata na sexta passada. Queriam pedir a volta à normalidade e abertura do comércio. Donizette afirmou que multaria carros que participassem do ato, que acabou não ocorrendo. Na entrevista a seguir, o prefeito fala sobre a crise e seu desconforto com a liderança do governo federal:
O presidente Jair Bolsonaro respondeu à carta enviada pela Frente Nacional de Prefeitos?
Ainda não. Enviamos na sexta-feira, por volta do meio dia. Acho que foi pouco tempo. Mas esperamos a resposta com urgência e a população também merece a resposta. As pessoas precisam saber que duas horas depois do pronunciamento dele (Bolsonaro) em cadeia nacional, no dia 24, chamando os brasileiros a voltar para a vida normal, os Estados Unidos mandaram todos os americanos deixarem o Brasil com urgência, por causa do risco de contaminação que se agravaria por aqui. A população precisa saber que o guia dele, o presidente Donald Trump, mandou nessa sexta-feira, 27, uma carta ao povo americano pedindo que eles fiquem em casa. O Trump também ficou titubeando contra o isolamento, mas ontem assinou o maior pacote de ajuda econômico da história dos Estados Unidos e mandou os americanos ficarem em isolamento. Lá, a responsabilidade civil e criminal é realidade. Se o Bolsonaro fosse presidente americano e estivesse falando as barbaridades que tem falando aqui, e as pessoas morressem por isso, seria processado e iria para a cadeia. Por isso, pedimos que ele respondesse às nossas perguntas. Ele precisa se responsabilizar pelo que diz.
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Clique e AssineO que significa ‘se responsabilizar’?
Se ele acha mesmo que tudo o que os prefeitos e governadores estão fazendo está errado, ele tem de assumir isso oficialmente, institucionalmente, não fique só no discurso. Falar é fácil. Ele tem de deixar claro que o governo federal assume a responsabilidade com as mudanças no isolamento propostas por ele. Mas tem de fazer isso oficialmente. Tem de responder em quais informações se baseou para mudar as regras e chamar as pessoas ao trabalho, antes do prazo que definimos. Como será o atendimento de quem adoecer? Ele pretende federalizar o atendimento do SUS, por exemplo, e assumir todo o atendimento? Qual é o plano? Aparentemente, ele não quer fazer isso. Quer apenas continuar no discurso e transferir a responsabilidade para os prefeitos e governadores. Ninguém quer uma crise política no meio de uma crise de saúde pública, mas o presidente está prestando um desserviço ao país. E ele está confortável nessa posição, porque todo mundo está passando a mão na cabeça dele.
Como assim ‘passando a mão na cabeça dele’?
Acho que estamos poupando demais o presidente. Todo mundo fica tentando colocar panos quentes nas crises que ele cria para a situação não degringolar. Diante da ausência de responsabilidade dele, todo mundo tentar trabalhar, fazer sua parte, apesar dele. Essa é a conversa que se escuta em todos os lugares. As pessoas dizem: “Ele está errado, mas não adianta brigar, porque ele não vai mudar. Vamos fazer a nossa parte para que as coisas não fiquem piores”. Vejo gente de dentro do governo dizendo isso. O próprio Rodrigo Maia (presidente da Câmara), tem dito isso. Acha que temos de poupar o Mandetta. O problema é que o presidente não está ouvindo o ministro. E tudo tem limite. Na situação atual, é a saúde das pessoas que está em jogo. E, no fim, ele é o presidente. Tem coisas que só ele pode fazer. Acho que não dá mais para poupá-lo. Não dá mais para continuar passando a mão na cabeça. Por isso, mandamos a carta e pedimos que ele se responsabilize. Até porque ele não é burro. Ele está imaginando algo. Quem chega onde ele chegou não é burro.
Qual seria a estratégia do presidente, na sua opinião?
Só ele é capaz de dizer, mas acho que ele está jogando. Ele pode estar pensando assim: “Bom, as medidas que os prefeitos e governadores estão tomando vão surtir efeito. Vai morrer menos gente. De qualquer forma, a economia vai cair. No final, eu ganho, porque posso dizer que não queria que o país parasse.” Isso demonstra oportunismo. Não é o que um líder, que ganhou, no voto, a presidência de um país, deveria fazer. Se estamos em guerra, todos devemos estar juntos. Não dá para se esconder, ficar fazendo discurso contra quem está na frente de batalha, para tentar ganhar politicamente quando a guerra acabar.
O senhor quer dizer que o presidente Bolsonaro está fazendo um jogo político?
Eu quero dizer que o presidente está cometendo o erro de não ouvir o seu ministro da Saúde dele, o (Luiz Henrique) Mandetta. Digo isso porque participei com os dois de uma reunião (por videoconferência) no domingo passado (22), junto com todos os prefeitos de capitais. Terminamos a reunião, que levou duas horas, certos de que estávamos alinhados. Por alinhado, quero dizer que considerávamos a situação grave e que a orientação era o isolamento para conter a propagação do vírus. Acontece que dois dias depois ele mudou completamente o discurso e passou a dizer que o Brasil não pode parar, voltou com a história da gripezinha. Primeiro, achamos que fosse um erro, um discurso mal feito, mas que ele iria voltar atrás. Não foi o que aconteceu. Ele continuou com essa irresponsabilidade. A sorte aqui é que as pessoas não estão acatando o que ele diz.
O senhor estabeleceu isolamento social em Campinas de 23 de março a 12 de abril, maior até que o do estado de São Paulo, que começou dia 24 e vai até dia 7 de abril. Por quê?
De acordo com a minha equipe técnica, o pico de contágio no Brasil será entre 5 e 8 de abril. Estamos avaliando a situação dia a dia, mas achamos que só poderíamos baixar a guarda após o pico de contágio.
O que parou e o que não parou em Campinas?
Primeiro, é preciso deixar claro que não decretamos quarentena, mas isolamento social. Quarentena é o que está acontecendo na Itália, que tirou completamente a liberdade individual das pessoas, que multa quem sai na rua. Nosso objetivo, com o decreto de distanciamento social, foi tirar das ruas quem não tinha necessidade urgente de sair. As indústrias todas estão funcionando. Claro que estão orientadas a trabalhar com várias cautelas. Os refeitórios, por exemplo, aumentaram os horários de almoço e jantar, de modo a servir apenas 30% da capacidade por vez, evitando aglomeração. A construção civil também não parou aqui. Os ônibus corporativos também aumentaram as distâncias entre os passageiros. No transporte público, tiramos o passe dos estudantes, dos universitários e dos idosos para dificultar que eles circulem pela cidade. Foi difícil nos primeiros dias, mas já melhorou muito. Isso é difícil para nós? Claro que é? Claro que vamos sofrer com a economia. Cada dia é uma agonia, mas foi a forma que encontramos de agir no cenário que nos foi passado pelos técnicos.
O senhor declarou que multaria carros que participassem de carreatas pelo fim do isolamento social em Campinas. Por que tomou essa atitude?
Eu dei a ordem para multar não só os carros, mas também as pessoas que promovessem esse tipo de manifestação, por desobediência e perturbação da ordem pública, porque as pessoas têm de ser responsabilizadas pelos seus atos. Acredito que nenhum prefeito, nenhum governador, nenhum presidente no mundo inteiro gostaria de mandar as pessoas ficarem em casa e derrubar a economia bruscamente. Acontece que essa é a forma de evitar uma situação ainda pior do que a que já estamos vivendo. Eu não tirei isso da minha cabeça. Fui instruído pelo meu secretário de Saúde e pela minha diretora de Vigilância Sanitária. Essa é uma questão em que precisamos discutir e ouvir os especialistas no assunto. É claro que a gente discute, pergunta, pensa em alternativa, discute de novo, mas preciso ouvir quem entende de saúde, de epidemia, não é uma questão de vontade própria ou uma aposta política. É uma questão de responsabilidade.