Fugir de uma resposta, por mais delicado que seja o tema, nunca foi a característica do vice-presidente Hamilton Mourão. Exatamente por isso, seu gabinete, que fica no anexo do Palácio do Planalto, é ponto obrigatório para os jornalistas que cobrem o Poder. Esse comportamento já resultou em diversas rusgas entre ele e Jair Bolsonaro, ao ponto de o presidente chegar a suspeitar que o vice tentava sabotá-lo. Por causa dessa desconfiança, se afastaram. Em outubro, Bolsonaro vai disputar a reeleição ao lado de Braga Netto, outro general. Mourão vai concorrer a uma vaga no Senado Federal pelo Rio Grande do Sul.
O fato é que Mourão e Bolsonaro, apesar das divergências, continuam tendo vários pontos de vista em comum. Ambos são críticos do Supremo Tribunal Federal, ambos fazem ressalvas à imprensa por denunciar planos conspiratórios, ambos se colocam como obstáculo ao avanço esquerdista. Nesta entrevista a VEJA, o vice-presidente faz um balanço do governo, defende Jair Bolsonaro, fala da polarização e da violência política e faz uma declaração surpreendente ao ser perguntado sobre a relação das Forças Armadas com o ex-presidente Lula. O candidato do PT, segundo ele, não tem o respeito das Forças Armadas, mas, se se eleger presidente, os militares vão lhe prestar continência — por dever constitucional:
O que era preciso fazer e não foi colocado em prática durante o governo Bolsonaro? Foi um governo que pegou dois anos de pandemia, depois guerra. Praticamente toda a atividade do mundo foi bloqueada, na busca de uma solução para a crise sanitária. Tivemos todo um esforço para fazer uma expansão fiscal além do previsto. A partir de 2020 nós tivemos gastos de mais de 600 bilhões de reais para poder atender todas as intenções oriundas dessa situação e isso obviamente trouxe um prejuízo. Então, algumas reformas que eram essenciais como a administrativa e a tributária, entraram em compasso de espera e, consequentemente, são temas que temos que rever agora à frente.
O senhor acredita que cumpriu o seu papel como vice-presidente? O vice-presidente praticamente não tem papel nenhum porque a constituição o coloca ali só para substituir o presidente e para receber tarefas eventuais do presidente. Então, as tarefas que o presidente me deu eu cumpri com o máximo de dedicação. Muitas ligadas à área internacional e a questão da Amazônia.
O seu relacionamento com o presidente Bolsonaro em alguns momentos do mandato poderia ser classificado como tenso? Eu não falaria de tensão. Qualquer relacionamento entre um vice-presidente e um presidente não é simples. É da natureza das funções que cada um exerce. O presidente Bolsonaro por algumas vezes se sentiu incomodado por coisas que eu falei ou achou que eu falei porque muitas vezes a mensagem chega truncada. Mas isso não depõe nada quanto à forma quanto a gente se dirige um ao outro e nós temos todo o respeito um pelo outro.
O senhor se sente mais confortável buscando uma vaga ao Senado do que numa possível reeleição ao lado de Bolsonaro? Eu estava pronto para acompanhar o presidente, afinal de contas eu estou aqui desde o começo. Faço parte desse projeto e estava pronto para acompanhá-lo. Mas a partir do momento que eu entendi, pela sinalização que ele me deu, que ele iria selecionar outra pessoa, aí o que eu vou fazer? Posso ir pra casa e não fazer mais nada, afinal já está de bom tamanho, 50 anos de trabalho. Mas, como gozo de boa saúde e aproveitando essa capacidade que acredito que tenho de coordenação de projetos, vou concorrer ao Senado.
Qual foi essa sinalização? Ele disse: ‘você vai procurando um outro caminho que eu estou pensando em outra pessoa’. Foi tudo muito natural. Eu acho que às vezes o cara procura alguém com o pensamento mais homogêneo. Nós concordamos no atacado, mas temos algumas divergências no varejo.
Se fala muito hoje em polarização e se avalia que o processo eleitoral vai ser tenso. Tivemos a morte de um dos líderes do PT, guarda municipal em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, por questões ideológicas. O que o senhor escuta da ala militar, que o senhor é próximo, sobre eleições? A palavra está dada pelo ministro da Defesa e pelo comandante das Forças que ninguém vai interferir em nada de processo eleitoral. Nem é papel militar. O que existe hoje é um “metaverso” que vem sendo criado, por parcela da imprensa, querendo que aconteça a eleição aqui no Brasil da mesma forma que aconteceu nos Estados Unidos. Ou seja, vai ter o 6 de janeiro aqui, mas o nosso processo eleitoral é totalmente diferente do deles. Então aqui não tem espaço para seis de janeiro porque aqui não existe 6 de janeiro.
E esse clima de tensão e, até mesmo, de ódio? Toda a eleição tem sido tensionada. Não acho que exista um clima de ódio. Só se for pela internet. Tem muito leão de internet.
Existe alguma tensão dentro do Exército em relação as eleições? Não existe tensão dentro do grupo militar. Por que o grupo militar estaria tenso? O grupo militar só será usado…Qual é uma das funções das Forças Armadas? Garantir a lei e a ordem, se houver uma baderna generalizada no país, independente de quem forem os baderneiros e o sistema policial não der conta disso.
O senhor acha que as falas dos candidatos às vezes colaboram para esse panorama? O Lula vem falando bobagem há muito tempo. Trabalhou pela libertação dos sequestradores do empresário Abílio Diniz, foi lá abraçar o ex-vereador aquele, o Maninho, que quase matou um cara e empurrou o cara embaixo de um caminhão. (Se refere ao ex-vereador acusado e processado por tentativa de homicídio contra o empresário Carlos Alberto Bettoni, em 2018). Essas coisas estão acontecendo.
Se eleito, Lula teria o respeito das Forças Armadas? Ele pode não ter o respeito, mas vamos dizer assim, como vou dizer…ele tem o cargo. A gente quando faz continência para um superior, a gente não saúda a pessoa, a gente saúda o posto. Ele será saudado pelo posto que irá ocupar.
E se o presidente Bolsonaro for reeleito? A pessoa mais atacada ao longo dos últimos quatro anos foi o presidente Bolsonaro. Não há um respiro para esse cara. O sujeito quase morreu na eleição em 2018 em uma agressão covarde. Se falarmos em violência. Ali foi uma violência extrema praticada contra um candidato à presidência da República. Não podemos passar a mão nisso aí. E ele matou no peito esse rol de ataques que ele sofre. Ele sabe que se for reeleito ele tem que dar seguimento a essas reformas estruturantes para que o país consiga avançar.
Como senador, aceitaria compartilhar do chamado orçamento secreto? Sou contra. Eu acho que o Congresso tomou de assalto o orçamento e isso está errado. Acho que a execução orçamentária é do Executivo, como o próprio nome está dizendo. Então como tem que funcionar? O Executivo prepara uma proposta de peça orçamentária com base nas necessidades, possibilidades e limitações e envia ao Congresso. O Congresso é o local onde os representantes da sociedade se reúnem para elencar quais são as prioridades. Terminado isso aí o Executivo executa. Essa pulverização de recursos leva ao desperdício, ao gasto fora de controle e a possibilidade para corrupção.
Uma das grandes polêmicas desse governo foi o embate com o Supremo Tribunal Federal. Quando você tem a decisão de um magistrado, que não foi eleito nem para síndico do prédio dele e que afeta todo mundo. Ou tem que colocar mandato, ou acabar com a decisão monocrática, de modo que o colegiado decida. Tá errado isso aí.