Dias depois de ter acusado o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro começou a tabular provas que pretende apresentar no depoimento que prestará neste sábado, 2, à Polícia Federal. Fora do governo, o ex-juiz da Lava-Jato não deixou de lado o formalismo nem em conversas reservadas quando o tema eram o presidente e seus filhos, o senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos. Lamentava a disposição de bolsonaristas de direcionar a artilharia contra sua reputação e a de sua esposa, a advogada Rosângela Moro, mas evitava tecer comentários críticos sobre a postura dos filhos de Bolsonaro – Flávio é investigado em um esquema de rachadinha na época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro, Eduardo vocalizou posições extremadas, como a tese de que bastavam “um soldado e um cabo” para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), e Carlos, como revelou VEJA, é alvo de apurações no STF sobre um esquema de ataques virtuais a autoridades e propagação de fake news.
Interlocutores do ex-ministro, porém, detectaram que a cada pesquisa de opinião que destacava que a popularidade de Moro era maior do que a de Bolsonaro, os filhos intensificavam os ataques. Outro personagem do entorno do presidente que alimentava a tese de que o ex-juiz não seria confiável e teria ambições políticas claras contra o presidente era o assessor Arthur Weintraub, irmão do ministro da Educação Abraham Weintraub. “Uma das razões da dificuldade com o presidente é que ele não tira da cabeça essa coisa de candidatura”, disse Sergio Moro a aliados assim que deixou o governo. A carreira política está descartada, pelo menos por enquanto, embora acenos para sua filiação a um partido político venham desde 2019 e devam se intensificar agora com o desembarque do ex-ministro do governo.
Levantamento exclusivo feito pelo instituto Paraná Pesquisas para VEJA, no entanto, mostra que, em um cenário de enfrentamento entre Bolsonaro e Moro, o presidente aparece com 27% da preferência do eleitorado, seguido pelo seu ex-ministro, que tem 18,1%. O ex-juiz da Lava-Jato está tecnicamente empatado, no limite da margem de erro, com o finalista do segundo turno presidencial de 2018, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que tem 14,1%.
Mudança – Sergio Moro arrumou as malas assim que formalizou seu pedido de demissão do governo, na sexta-feira, 24. O ex-ministro concedeu uma entrevista exclusiva a VEJA na manhã de quarta-feira, 29, às vésperas de deixar o confortável apartamento que alugou, mobiliado, a poucos quilômetros da Esplanada dos Ministérios. Os poucos eletrodomésticos que comprou – um processador de alimentos, um ventilador e uma sanduicheira – foram empacotados no início da semana. As fotos da família, retiradas dos porta-retratos, foram guardadas. O abajur já estava fora da tomada. Contas a pagar, faturas de celular e a embalagem de um Iphone ocupavam, desorganizadamente, a mesa de jantar. A enorme esteira ergométrica que tomava boa parte da lateral direita da sala de estar havia sido vendida por 4.000 reais ao amigo e ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) Fabiano Bordignon. Mesmo em plena mudança, Sergio Moro insistia em permanecer de terno e gravata.
“Meu perfil é esse, de gravata. Se eu tirar a gravata, vão falar ‘já é candidato’”, brincou o ex-ministro, que, um pouco abatido, repetia sistematicamente que não queria ser um “incendiário” no governo nem um “algoz” contra Jair Bolsonaro.
Por ora, Moro descarta a necessidade de prestar depoimento na CPI mista que apura fake news ou mesmo apoiar a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar as acusações de interferência política na Polícia Federal. “Se é o caso de abrir uma CPI? Fiz o pronunciamento apenas para informar os motivos da minha saída. Devia a verdade nessa ocasião. Meu único e exclusivo objetivo foi ser sincero. Assumi um compromisso ao vir para o ministério, tenho um histórico de serviço público relevante”, disse Moro a VEJA.