É do 23º andar de um anexo do Senado que o ex-advogado-geral da União André Mendonça agenda audiências com parlamentares e planeja o périplo de encontros com senadores que devem votar sua indicação para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar a cadeira vaga com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, Mendonça decidiu montar um bunker no gabinete do líder do governo Eduardo Gomes (MDB-TO) para as conversas – e aos parlamentares já deu algumas certezas. Uma delas é a de que não pretende se declarar impedido de julgar, caso necessário, processos relacionados ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), investigado por suposta participação no esquema das rachadinhas.
Nas mais de 70 audiências que já manteve com senadores, um tema é recorrente: o uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) para, como ministro da Justiça de Bolsonaro, abrir processos contra críticos do presidente. O assunto é abordado por iniciativa própria de Mendonça e em todos os casos o discurso é o mesmo: embora a legislação date do período de ditadura, a LSN estava em vigor quando da abertura dos processos e, se ele não desse andamento aos casos, considera que estaria cometendo o crime de prevaricação.
Pastor da Igreja Presbiteriana e, nas palavras de Bolsonaro, um nome “terrivelmente evangélico” para a Corte, o candidato a ministro do Supremo tem os números na ponta da língua: diz ter aberto cinco processos contra ofensas ao presidente com base da Lei de Segurança Nacional. Seu antecessor na pasta, Sergio Moro, abriu dois, mas a maior parte do acervo de procedimentos calcados na LSN de 2019 até março deste veio do Ministério Público: 36 casos. Outros 18 partiram do Poder Judiciário.
Apesar de ter sido indicado ao STF em julho, André Mendonça ainda não teve o nome apreciado pelo Senado, uma condição para que possa assumir o cargo. Ele enfrenta resistência do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), responsável, como presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por escolher uma data para a sabatina a que se submeterá. Recentemente tentou desanuviar parte da tensão ao se encontrar com o presidente da Câmara Arthur Lira (Progressista-AL) para explicar que não partiu de sua gestão na AGU a abertura de ações de improbidade contra políticos – tema que tanto Lira quanto o senador Renan Calheiros (MDB-AL) utilizaram como argumento para postergar a análise do nome do indicado.
Nas conversas que tem feito com os senadores afirma que não há espaço para um golpe de Estado, dispara obviedades como a promessa de seguir a Constituição e ser garantista, mas também dá indicativos de que, se tiver o nome aprovado, pretende seguir no tribunal um perfil parecido com o ministro Ricardo Lewandowski – contido diante dos holofotes mas um conhecido articulador de bastidores. Desde sua indicação não conseguiu ter um telefone ou mensagem disparada a Alcolumbre respondida, mas nos últimos dias o ex-AGU recebeu indicativos de que a CCJ pode enfim pautar o caso para as semanas seguintes ao feriado de Sete de Setembro. A via crucis do “terrivelmente evangélico” pode estar chegando ao fim.