Marqueteiros ressurgem no cenário político, mas sem poderes do passado
Profissionais de comunicação voltam a ser vistos como peças importantes nas campanhas presidenciais - desta vez, sem glamour e caixa dois
Quando os marqueteiros dominavam a terra eleitoral, gigantes com status de estrelas tinham poderes para agir como gurus dos candidatos. Nos casos mais bem-sucedidos, operavam milagres de transformação de imagem, sempre com a ajuda de caríssimas campanhas de TV. A recompensa pelo trabalho vinha na forma de polpudos cheques, boa parte deles via caixa dois. A espécie quase foi extinta quando um asteroide chamado Lava-Jato colocou no banco dos réus ícones como Duda Mendonça e João Santana. O baque adicional veio em 2018, quando Jair Bolsonaro, que contava na época com uma estrutura mambembe, descobriu que um celular na mão para alimentar redes sociais bastava como instrumento de comunicação para subir a rampa do Palácio do Planalto. Assim, a crença na capacidade mágica dos marqueteiros parecia fazer parte para sempre de um período jurássico da política. Passada a tempestade, no entanto, eis que os profissionais do ramo ressurgiram na atual eleição como peças importantes na estrutura dos partidos, mas em configuração repaginada.
Saíram de cena os gênios das propagandas e dos slogans retumbantes. Entraram em campo profissionais que atuam de forma muito discreta e preferem ser chamados de “estrategistas”, já que a expressão “marqueteiro” ganhou ares de maldição. “Hoje você tem de ter uma proposta para um público geral, que vai ver TV, e outra para o cara da rede social, que já tem uma relação diferente com o candidato, e esse tipo de preocupação não existia antes”, afirma Lula Guimarães. Ele fala com conhecimento de causa, pois trabalhou nas duas últimas eleições presidenciais. Em 2014, esteve com Eduardo Campos e seguiu em campo após a morte do candidato, ao lado de Marina Silva. No pleito de 2018, foi “sócio” do fracasso do então tucano Geraldo Alckmin, que não passou do primeiro turno. Em meio a essas duas campanhas, foi importante para ajudar em 2016 o empresário João Doria, um novato em política, a sair do traço nas pesquisas até conquistar a vitória na corrida para comandar a prefeitura de São Paulo.
Agora, Lula Guimarães está novamente ao lado de Doria — e com um desafio ainda maior. A exemplo da campanha paulistana, o presidenciável do PSDB ainda não decolou nas sondagens eleitorais. Para piorar, tem pela frente adversários mais poderosos (inclusive dentro do seu partido, no qual uma ala golpista ainda tenta sabotar sua pretensão) e sofre para sobreviver no mesmo ar rarefeito respirado pelos nomes que, como ele, tentam alavancar a chamada terceira via em meio à polarização promovida pelos favoritos Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, Doria carrega o ônus adicional de ter uma das maiores rejeições entre os postulantes. Como antídoto, a campanha a cargo de Guimarães pretende exibir o robusto pacote de realizações do tucano à frente do governo de São Paulo e lembrar a sua essencial batalha pela vacina contra a Covid-19, além de apresentá-lo como um gestor experiente e com uma capacidade enorme de trabalho, essencial para resolver os desafios sociais e econômicos do país. “O clima de polarização nas eleições vai cansar as pessoas, abrindo espaço para outros nomes”, acredita Guimarães. O esforço passa ainda por “humanizar” a figura de Doria, visto por grande parte do eleitorado como um candidato plastificado demais. Começam a entrar em cena declarações enfatizando a necessidade de diálogo e vídeos com uma versão de Doria-povão, como o de uma recente visita a uma comunidade ribeirinha em Ilha do Combú, no Pará. No figurino, o candidato aparece sempre com a calça apertada, que transformou em uma espécie de marca registrada para neutralizar críticas maldosas a respeito de seu estilo.
Tática semelhante de transformar os “defeitos” do candidato em ativos eleitorais é usada por João Santana na campanha do pedetista Ciro Gomes. O jeito destemperado que já derrubou o candidato em ocasiões passadas (está agora na sua quarta tentativa de chegar à Presidência) é “vendido” na disputa atual como um traço de sinceridade e uma disposição irrefreável de se indignar contra malfeitos e injustiças. O apelido “Cirão”, que o acompanha nas peças de comunicação e no programa de entrevistas estrelado por ele num formato parecido ao dos youtubers, também faz parte do esforço de aproximação com o eleitorado jovem. Monitoramento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas feito entre março e abril apontou o canal de Ciro como líder em interações (3,5 milhões) ante Bolsonaro (1,6 milhão) e Lula (1,4 milhão). Para o candidato, porém, isso ainda não parece ter o poder de trazer votos: ele está há mais de um ano estacionado na faixa dos 7%.
Foi justamente para tentar evitar um novo fracasso de Ciro que o PDT apostou alto na contratação de João Santana. Nos tempos áureos, o marqueteiro ajudou Lula a viabilizar Dilma Rousseff como sua sucessora na Presidência. O sucesso na empreitada não impediu que, tempos depois, ele e sua mulher e sócia, Monica Moura, caíssem nas malhas da Lava-Jato. Eles ficaram presos entre fevereiro e agosto de 2016 e tiveram de pagar 6 milhões de reais de multa, além de abrir mão de 21 milhões de dólares que mantinham no exterior. O dinheiro foi repassado à Justiça. Apesar do esforço para manter a discrição em seu retorno à cena política, João Santana voltou ao noticiário no mês passado, quando o PDT passou a discutir o reajuste de seu contrato, que hoje é de 250 000 reais mensais.
Há alguns fatores que explicam o retorno dos marqueteiros ao centro das campanhas políticas neste ano. Em primeiro lugar, o fundo eleitoral saltou de 1,7 bilhão de reais, em 2018, para 4,9 bilhões de reais neste ano, abrindo espaço para os partidos investirem mais em comunicação. Além disso, há um diagnóstico de que o sentimento antipolítico presente em 2018, que funcionou como um catalisador da campanha amadora de Bolsonaro, não está mais na cabeça do eleitor. As pesquisas qualitativas internas dos partidos apontam para um eleitor mais interessado na política tradicional. “Por isso, profissionais que sabem conduzir campanhas on-line, interpretar os dados do tráfego nas redes e ainda dirigir propagandas para rádio e TV passaram novamente a ser cobiçados”, afirma o publicitário Bruno Hoffmann, presidente do Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (Camp), entidade que reúne os profissionais do setor.
Dentro desse cenário de maior complexidade, por ironia, são justamente as campanhas dos favoritos que aparecem hoje mais desestruturadas na área de marketing. Dono de uma verba para comunicação estimada em cerca de 50 milhões de reais, o PT passou por uma crise recente nesse setor, que resultou numa troca importante. A substituição de Augusto Fonseca por Sidônio Palmeira se deu em meio a um diagnóstico de que o ex-presidente deveria, segundo petistas ouvidos por VEJA, segurar o discurso radical e partir para acenos a setores do centro e ao empresariado, trazendo para o foco do debate a inflação e o desemprego. Enquanto isso, em sua tentativa de reeleição, o presidente não abre mão de ouvir o filho Zero Dois, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, que foi responsável pela bem-sucedida aposta nas redes sociais em 2018, temperada à base de muitas caneladas desleais nos adversários e fake news de todos os gêneros. Apesar do comando familiar, a comunicação deve ter a presença de Duda Lima, profissional da área que tem a confiança do PL, o partido do capitão. É uma prova de que um marqueteiro sob nova configuração se faz necessário mesmo em um time com histórico vencedor.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788