Maioria da população avalia bem a participação de militares no governo
Pesquisa exclusiva mostra que, para 62,1% dos entrevistados, não há risco de golpe
É patente a mudança de perfil do governo de Jair Bolsonaro. O núcleo mais ideológico, que tinha protagonismo no início do mandato, perdeu força. O superministro Sergio Moro, que personificava a promessa de combate à corrupção, pediu demissão e se tornou adversário do presidente. Já o núcleo militar cresceu e conquistou espaços, não apenas em cargos, mas em missões consideradas estratégicas do ponto de vista político. A mais recente delas envolve a Petrobras. Descontente com os reajustes nos preços dos combustíveis, Bolsonaro decidiu demitir o presidente da empresa, Roberto Castello Branco, e substituí-lo pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna, diretor-geral da Itaipu Binacional. Não é uma troca qualquer, já que a Petrobras era área de influência do chefe da equipe econômica, Paulo Guedes. Com a mudança, os militares, que já comandavam ministérios de ponta, passarão a chefiar também a maior estatal brasileira. É de fazer inveja ao notório Centrão. É também um fato digno de nota: desde a redemocratização, nunca foi tão grande a influência de representantes das Forças Armadas no Poder Executivo.
Por mais que neguem publicamente, a administração Bolsonaro e a caserna se confundem cada vez mais — e o resultado dessa parceria tem sido benéfico para o presidente. É o que mostra uma pesquisa inédita realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas, que ouviu 2 020 pessoas em 194 municípios, de todas as unidades da Federação, entre os dias 25 de fevereiro e 1º de março. Segundo o levantamento, metade dos entrevistados considera positiva a presença de integrantes das Forças na administração pública, enquanto 36,4% avaliam como negativa. Entre os demais consultados, 7,8% se dizem indiferentes e 5,8% não sabem ou não quiseram opinar. “Os militares têm uma boa imagem porque são associados à manutenção da ordem pública e à intolerância às práticas de corrupção”, diz Murilo Hidalgo, diretor do instituto. “O governo Bolsonaro não teve ainda nenhum escândalo de corrupção. Isso, de certa forma, é creditado pela população à atuação de militares em postos-chave”, acrescenta. A pregação dos oficiais contra a roubalheira é conhecida. Durante a campanha, o general Augusto Heleno, que hoje comanda o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chegou a comparar o Centrão a um ladrão. Eram outros tempos. Agora, são todos aliados e base de apoio do presidente. Pop, Heleno tem mais de 2 milhões de seguidores em suas redes sociais.
Dados públicos mostram que os militares estão à vontade com as convocações para assumir tarefas civis. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a quantidade de membros das Forças Armadas em cargos comissionados na administração passou de 1 934, em 2018, para 2 643, em 2020. Já o Ministério da Defesa registra que atualmente há 3 314 militares despachando no Executivo, sendo 1 881 integrantes do Exército, 731 da Aeronáutica e 702 da Marinha. Dos 23 ministros de Estado, nove têm formação militar. Eles estão à frente de pastas como Casa Civil (general Braga Netto), Minas e Energia (almirante Bento Albuquerque) e Saúde (general Eduardo Pazuello). Essa participação é resultado de uma aposta feita ainda na campanha eleitoral. Bolsonaro já admitiu publicamente que deve a sua vitória ao então comandante do Exército, general Villas Bôas, autor de uma mensagem numa rede social que teria servido como instrumento de pressão para que o Supremo Tribunal Federal (STF) mantivesse preso o ex-presidente Lula. Vitorioso no páreo, Bolsonaro, que já tinha o general Hamilton Mourão como vice-presidente, fez de Villas Bôas seu assessor especial e convocou generais para os ministérios. O presidente nunca escondeu que conta com sua tropa particular para superar dificuldades diversas.
No ano passado, no auge da tensão entre os poderes, Bolsonaro — contrariado com decisões que, segundo ele, usurparam competência do presidente da República — chegou a acusar o Judiciário de cometer abusos. Na época, participou de uma manifestação pelo fechamento do Congresso e do STF ao lado do general Luiz Ramos, ministro da Secretaria de Governo e responsável pela articulação política que levou o Centrão ao governo. Para os adversários, o presidente usa os militares como instrumento de disputa de poder, como arma de pressão contra as instituições. O Instituto Paraná perguntou se a aproximação entre as partes representa de fato uma ameaça à democracia. Para 62,1% dos entrevistados, os militares não querem tomar o poder. Já 31,5% disseram temer uma ruptura institucional. “Acho improvável que haja nos altos-comandos apoio a um golpe. Certamente, não haverá na Marinha e na Aeronáutica, que apenas querem recursos para seus projetos”, diz o historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro Forças Armadas e Política no Brasil.
Se há controvérsia sobre o risco de golpe, não restam dúvidas em relação às vantagens obtidas pelos militares com a adesão ao governo. Bolsonaro sancionou a reforma da previdência das Forças Armadas garantindo determinadas benesses à categoria, como reajuste no soldo e o direito de se aposentar com o último salário. Além disso, o orçamento do Ministério da Defesa saltou de 100,9 bilhões de reais, em 2018, para 114,6 bilhões de reais, em 2020, um recorde. “Isso deu às Forças Armadas a oportunidade de defender suas prerrogativas corporativas. E elas aproveitaram essa oportunidade para preservar privilégios”, diz o cientista político americano Anthony Pereira, professor titular da King’s College de Londres. Segundo o Instituto Paraná, Bolsonaro pode ganhar inclusive eleitoralmente ao ampliar a participação verde-oliva na administração. De acordo com o levantamento, 40,3% dos entrevistados disseram que a presença de integrantes das Forças Armadas na máquina pública tem uma influência positiva nas urnas, enquanto 34,7% apontaram essa condição como um fator negativo. “A gestão de Bolsonaro absorve a força da imagem dos militares e isso se reverte em pontos positivos com os eleitores”, avalia Murilo Hidalgo.
Os militares costumam alegar que a participação deles ocorre em nível particular. Ou seja: seria errado dizer que as Forças Armadas são sócias da administração Bolsonaro. A tese também é controversa. Dois casos deixam isso muito claro. Um deles foi a cobrança da cúpula do Exército para que Luiz Ramos passasse para a reserva depois que ele participou da manifestação que pedia o fechamento do Congresso e do Supremo. Outro é a pressão para que o general Eduardo Pazuello, titular da Saúde, deixe a pasta ou passe para a reserva, o que poderia afastar o desgaste de sua gestão da imagem do Exército. Aliás, Pazuello, segundo a pesquisa, é uma exceção nessa onda de popularidade. Embora boa parte dos entrevistados no levantamento considere que os militares têm uma atuação positiva no combate à pandemia, 44,3% das pessoas ouvidas julgaram como negativa a gestão do ministro. “Hoje, as pessoas o veem mais como ministro e menos como militar”, afirma Hidalgo. Situação inversa à de Bolsonaro: 56,9% dos entrevistados enxergam o presidente mais como militar do que como civil.
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728