Para enfrentar Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais, Lula se cercou de políticos de mais de 15 partidos, construiu o que chamou de aliança pela democracia e, eleito, agraciou os apoiadores de momento com cargos de primeiro escalão na Esplanada dos Ministérios. Com uma base governista frágil no Congresso, depois cedeu pastas também ao Progressistas, do presidente da Câmara Arthur Lira, e ao Republicanos, que havia marchado com o bolsonarismo. Com 16 meses de governo, não são poucos os que avaliam que os aliados de hoje virarão as costas a Lula em 2026 e, se necessário for, até mesmo a partir da eleição das novas mesas diretoras da Câmara e do Senado no ano que vem.
Ex-presidente do União Brasil, partido forjado da fusão do antigo PSL de Bolsonaro com o Democratas, legenda que, segundo Lula em 2010, deveria ser “extirpada da política”, o deputado Luciano Bivar (PE) é um dos poucos parlamentares a falar abertamente sobre os riscos de o governo marchar ao lado deste arco de forças. O União tem três ministérios no atual governo (Integração Nacional, Comunicações e Turismo), pastas para as quais Bivar diz ter sido consultado previamente, trabalha o nome do deputado Elmar Nascimento (BA) como candidato à Presidência da Câmara e caminha para eleger sem maiores dificuldades Davi Alcolumbre (AP) para o comando do Senado. Para Bivar, porém, dar tamanho poder a políticos de sua legenda embute o risco de o governo viver a antiga fábula da rã e do escorpião.
A história conta que um escorpião, na beira de um riacho, pediu ajuda a uma rã para cruzar a margem, mas ela se recusou porque tinha medo de ser picada durante a travessia. O escorpião alegou que não a mataria porque, se o fizesse, os dois afundariam nas águas. Convencida, a rã abrigou o animal nas costas, mas na metade do caminho acabou atacada. Sob protestos, ouviu do escorpião que ele não resistira em prosseguir com o bote porque, diz a moral do enredo, ninguém pode atuar contra sua própria natureza.
“Se a esquerda ajudar a atravessar o riacho, vai ser mordida mais cedo ou mais tarde. O governo tem que saber até onde pode dar ministérios e secretarias. Os caras são inconfiáveis, é da natureza deles”, disse Bivar em entrevista a VEJA.
Segundo o parlamentar, o recado já chegou à Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação do Planalto com o Congresso, e à cúpula do PT com um aviso extra: pela natureza dos aliados-escorpiões, a mudança de lado poderia se materializar como o União e os partidos do Centrão endossando, por exemplo, à proposta de anistia a Jair Bolsonaro, hoje investigado no STF por tentativa de golpe de Estado.